Meu reino por um telex

1989 foi um ano incrível. O mundo, e a gente junto, pulsava frenético no ritmo de uma avalanche de acontecimentos que incluiu o massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, a legalização e a vitória eleitoral do Solidariedade na Polônia, a queda do Muro de Berlim e o anúncio do fim da Guerra Fria.

Enquanto o mundo se reconfigurava, por aqui eu travava minha própria batalha: participar da cobertura jornalística da primeira eleição presidencial brasileira depois de duas décadas de ditadura militar. Jovem, recém-formada, eu era uma das repórteres da sucursal de Curitiba do Estadão, num tempo em que todos os grandes jornais e revistas nacionais tinham equipes na cidade. Vivia um sonho, o de cobrir algo tão importante, e um pesadelo: driblar a timidez e a inexperiência para tentar dar conta do desafio.

Não foi uma eleição qualquer. Milhões de brasileiros nunca tinham votado para presidente e se viam diante de uma lista grande de opções. Entre os 22 candidatos estavam personagens históricos da política brasileira, como Mário Covas, Ulysses Guimarães, Paulo Maluf, Aureliano Chaves e Lula, além do fenômeno Collor, afinal vencedor, do folclórico Enéas Carneiro e de outros menos vistosos, como Ronaldo Caiado, Fernando Gabeira e o paranaense Affonso Camargo Neto.

Era um prato cheio para os jornalistas, uma cobertura inédita, emocionante e difícil, dadas as condições que tínhamos na época. Repórteres de todo o Brasil passaram dois ou três meses correndo atrás dos candidatos, muitas vezes literalmente. Comícios mobilizavam a população desde as capitais até pequenas cidades do interior.

No Paraná, corríamos o estado de carro, enquanto os candidatos deslocavam-se de helicóptero. A estratégia da imprensa era acompanhar a programação em uma cidade, pular a seguinte e vencer a distância na maior velocidade possível para retomar a cobertura na parada seguinte.

Não havia internet. Era preciso ler os principais jornais antes das entrevistas para tomar pé dos últimos acontecimentos. Prestar atenção em quem estava nos palanques, tentar conseguir alguma informação de bastidor, lutar por um bom lugar no quebra-queixo, quando o candidato aceitava atender a imprensa. E depois escrever a matéria a mão, num bloquinho.

Mas, nessas viagens pelo interior, havia um momento crucial, sem o qual nada do que os repórteres haviam feito antes teria valor: era preciso arranjar um meio de transmitir o texto para a redação. E não era só a internet que não existia. O fax também não havia ainda chegado aos jornais. Os únicos meios possíveis eram o telefone (fixo, claro) e o telex.

E telex, meus amigos da era da internet, não era algo que as famílias tivessem em casa. Em muitas cidades pequenas, havia no máximo um ou dois. E um deles sempre ficava no Banco do Brasil.

Daí que a primeira providência dos jornalistas ao chegar numa cidade assim era procurar o gerente do banco e pedir para usar o telex da agência. Às vezes o contato era prévio, por telefone. Já ficava tudo acertado. Menos a ordem na fila do aparelho, que dependia não só da rapidez na escrita do texto, mas às vezes também de fatores como a capacidade de atropelar os colegas para ser um dos primeiros.

Para os menos diligentes, a saída às vezes era telefonar para o jornal e ditar o texto da reportagem. Hoje isso parece muito estranho, mas os grandes jornais tinham cabines onde ficavam funcionários cujo único serviço era receber textos por telefone. Só que conseguir um telefone também não era tarefa fácil. Num telefone público, era preciso ter uma pequena montanha de fichas (sim, ainda eram fichas, e não cartões) para não correr o risco de ter a ligação interrompida antes do fim do texto. As tarifas de interurbano eram altíssimas e por isso também era difícil encontrar alguém disposto a emprestar o telefone.

Olhando para trás, parece quase um milagre que todos os dias os jornais chegassem às casas e bancas com notícias do dia anterior. Mas chegavam, e nessa hora já estava todo mundo na estrada de novo, começando mais um dia.

PS: Enquanto termino este texto, minha sobrinha de 9 anos passa, dá uma olhada na tela e pergunta: “Tia, o que que é télex?” (assim mesmo, com a tônica na primeira sílaba). Deixei pra depois. Não sei se, internetóloga nativa, ela entenderia o conceito.

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