Cenas de um país triste

A mulher está parada diante da prateleira de café. Deve ter entre 30 e 40 anos. Veste uma blusa de lã bem surrada, legging e chinelos de dedo. Não carrega bolsa nem cestinha de compras nem carrinho. Mãos vazias.

Depois de um tempo ela pega um pacote. Faz um movimento de quem vai se afastar dali. Mas em seguida devolve a mercadoria à prateleira e volta a percorrer com os olhos a exposição de cafés de diferentes marcas e tamanhos.

Por fim vira as costas e sai do corredor do mesmo jeito que chegou – de mãos vazias.

***

Irritada, ela diz que não. Toma o pacote de bolacha das mãos da filha pequena e recoloca na prateleira. A menina chora, a mãe a puxa pela mão com força em direção ao caixa, com meia dúzia de coisas no carrinho.

Não demora e elas voltam. “Escolha uma mais barata.” Com o rosto ainda molhado, a criança tenta duas ou três opções, até a mãe dizer que essa sim. Ninguém sorri.

***

Esforço-me para não olhar para o homem de ar triste e constrangido. De soslaio, percebo que ele não tira os olhos da tela da caixa registradora.

Começa a desistir de alguns itens. Deixa o queijo. Leva só um dos três refrigerantes mais baratos que tinha colocado no carrinho. Devolve o vidro de pepino e manda encerrar a compra.

Então começa a saga dos cartões. Por duas vezes o operador do caixa diz que o pagamento foi recusado. O homem pega um terceiro cartão. Tudo certo. Vai parcelar em três vezes a compra de cento e vinte reais.

***

Talvez a mulher que queria comprar café nem tenha 30 anos ainda. Talvez a moça irritada que deu um jeito de comprar a bolacha seja uma mãe carinhosa. Talvez o homem que parcelou as compras já tenha sido alegre.

Agora vivemos todos no país gigante assombrado pela fome. Não tem alegria que resista.

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