Posta Restante

Um ano de – Plural – crônicas.

Seria o caso de soltar foguetes, não fosse, entre algumas outras razões, a minha “fobia” a eles.

Desde jovem que não sou chegado a foguetes e piorou – no meu tempo de faculdade – depois de passar por plantões em prontos-socorros. Nos prontos-socorros eram atendidas, e deve continuar sendo, muita gente ferida por fogos de artifício: queimaduras, rompimento de tímpanos, dilaceração de mãos, etc.

Foguetes, busca pés, bombinhas – em baixo de latinhas para ver elas voarem – e traques, foi coisa da infância. Assim mesmo muito pouco. Nossa família não tinha dinheiro para gastos supérfluos.

Nas festas de São João, Santo Antônio e São Pedro – na minha infância no sítio – rezava-se terço, acendia-se fogueira, erguia-se mastro em homenagem ao santo, colocava – quem tinha um pouco mais de dinheiro – bandeirinhas no terreiro. Era servido anisete, café, bolo, chá [refrigerantes não], e de acordo com a fé e as finanças de cada um havia um parco “foguetório”.

Nos raros “foguetórios” – por festa junina ou pelo final da colheita do café, quando era boa – o Tupi sofria muito.

O Tupi – com i, no sítio não conhecíamos o y – era um cachorro que sofreu um trauma. Uma ocasião caiu um raio sobre uma peroba, árvore comum no norte do Paraná, e hoje em extinção. No momento em que a peroba foi atingida pelo raio, ele passava por baixo de uma cerca de arame farpado que absorveu parte da descarga elétrica, o que fez com que levasse um choque.

O estrondo e o choque fizeram com o que o Tupi a cada bomba, traque ou foguete entrasse na primeira casa que encontrava e em seguida debaixo da primeira cama que estivesse à sua frente.

Bem, volto ao tema: um ano de crônicas e o Brasil com o recorde bolsonarista de mais de 500 mil mortes. Não há razão nem ambiente para festa e foguetórios, sequer para as juninas. Há somente espaço para – os crentes – terços, missas e cultos online e orações em família.

Neste um ano – de crônicas – faço um balanço: não cumpri o prometido.

Prometi que escreveria em ritmo de bolero: duas crônicas sobre dedicatórias e duas comentando as “cartas” que recebia. Não me faltaram e não faltam “cartas”. Fui conferir no Posta Restante e encontrei cerca de duas dezenas delas para responder.

Não sei a idade dos – parcos – leitores e leitoras que tenho, mas creio que alguns dos/as mais novos/as não sabem o que é posta restante.

Não sei se hoje – nos correios – ainda há o Posta Restante e tampouco sei se alguém ainda mantém Caixa Postal.

Nós morávamos no sítio e a família ampla [nono, nona, tios, tias, primos, primas, etc., às vezes incluía vizinhos] tinha o ‘luxo’ de manter uma Caixa Postal. Se não me falha a memória – que muito falha – o número era 271.

Uma das coisas que mais me enchia de orgulho – quando estudava o ginásio – era ir com a chavinha abrir a Caixa Postal e ser o primeiro a ver se havia cartas e para quem.

Na época as pessoas tinham o costume de escrever cartas.

Imagina o prazer ou a necessidade ou o nervosismo, ou tudo junto, de escrever e reescrever – às vezes descobria um erro ou precisava apagar um dito que não deveria ser dito – a carta, dobrá-la, colocar no envelope, lamber o envelope para fechá-lo e depois lambear o selo para colá-lo. O prazer, ou angustia, ou alegria ou dor era receber e ler a resposta. Hoje – no que recebemos pelo correio – predomina o desprazer de receber propaganda e cobranças, mas mesmo assim defendo que não se privatize os Correios.

Mas, como disse, neste um ano de crônicas não cumpri o prometido.

Deixei de “dançar” o bolero quando constatei que não era eu que escrevia as crônicas. Escrevia duas e usava as “cartas” para escrever as outras duas, ou seja, era só copiar e comentar, e algumas cartas – pela qualidade e/ou extensão – eram a crônica pronta. Portanto, não era o autor do texto e acredito que quem quer ler alguém quer ler o que esse alguém pensa e escreve.

De qualquer maneira gosto de continuar recebendo as “cartas”, serve-me para medir, entre algumas coisas, a “qualidade do que escrevo.”

Como se mede a qualidade de um texto?

Eu por exemplo não consigo medir a “qualidade” do que escrevo. Meus textos nunca estão prontos, mando-os para a publicação no último prazo e, depois de publicado vejo que está incompleto ou que a “qualidade” não é boa, quando não péssima. Aí já foi publicada e o que me resta são as necessárias “cartas” críticas que recebo.

Todas as correspondências – seja “carta” longa, curta ou “bilhete” – que busco no “Posta Restante” e/ou na “Caixa Postal”, me abrem a consciência dos acertos e dos erros cometidos, que são muitos.

Comecei a escrever – crônicas – sobre dedicatórias para expor uma coisa que sempre me “incomodou”: por que uma dedicatória, coisa tão pessoal, virou um objeto. Ao tornar público este “incomodo”, senti que a dedicatória abandonada num sebo “incomoda” muita gente.

Se uma simples dedicatória abandonada num sebo incomoda muita gente, imagino que há milhões de – humanistas e cristãos – pessoas incomodadas com o abandono, descaso e destrato que a população brasileira vem sofrendo por parte dos nossos governantes.

Se Bolsonaro, se é que tem, abrir sua – Posta Restante – consciência vai encontrar mais de 500 mil almas com o indicador esticado chamando-o de assassino.

Medroso sairá correndo e como o Tupi entrará debaixo da primeira cama que encontrar e – assim como era com o cachorro – todos saberemos onde ele está.

Arrancado de lá e condenado pelo genocídio poderemos festejar, claro, sem foguetório.


Para ir além

O copo, a couve, o c* e a cartola

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