O Homem

Não sei em que dia do quarto trimestre do ano passado que ele chegou.

De repente notei sua presença carpindo o terreno baldio aqui em frente ao prédio. Por três ou quatro dias limpou o terreno de restos de material de construção e carpiu-o todinho. Pensei, quando o vi de enxada na mão, que faria uma horta.

Finda a capina não surgiu a horta. Pensei: vai receber pelo serviço e adeus. É assim com muita gente e por que não com ele?

Assim que termina a limpeza do terreno vi o Homem arrumando o jardim de um edifício – aqui na equina – recém terminado. Nem tão recém, creio que foi concluído já há dois ou três meses. Terminado, espera os primeiros habitantes.

Pela demora na construção fiquei com a sensação de que a construtora não tinha presa em concluí-lo e parece que os futuros moradores tampouco têm pressa em ocupá-lo.

Quanto a estar limpando o baldio terreno e arrumando o jardim do edifício novo não me surpreendeu, pois, a construtora do prédio comprou mais uma meia dúzia de casas aqui da região e a primeira coisa que fazem, em geral as construtoras, é gerar terrenos baldios para depois enchê-los de prédios.

Uns dizem que deve demorar um pouco o novo empreendimento porque os preços de materiais da construção civil estão lá nas alturas. Outros dizem que a empresa está só esperando o prefeito mudar a legislação: vai aumentar o potencial de construção aqui da região.

Se isto ocorrer da noite para o dia o já rico empreendedor se tornara mais rico. E o Homem? Provavelmente terá mais trabalho, não sei se melhor remuneração.

Passados alguns dias, concomitante com o arrumar o jardim o Homem começa a varrer a calçada de esquina a esquina do – lado oposto onde moro – lado que está construído o edifício e está o terreno.

Iniciativa própria ou é remunerado?

Se remunerado, seria por uma vaquinha dos moradores do outro lado da rua ou uma contribuição da construtora? Ou será vontade própria, do tipo já que varro um trecho por que não varrer o todo?

Comentei em casa: bem que podia varrer os dois lados, onde já se viu a calçada limpa de um lado da rua e do outro com gravetos e folhas, papéis e sacos plásticos jogados.

Como o prédio novo fica na esquina um dia o vi varrendo a outra rua, a que faz esquina com a que moro. Não sei se varria a quadra toda, a metade ou parte. Novamente me enchi de dúvidas e de vontade, mesmo não sendo curioso, de falar com ele para entender o que pensa, por que faz isso e quem o remunera? Saber ao menos seu nome.

Até hoje não perguntei.

As interrogações aumentaram e a ela soma-se a paranoia: será que não está a serviço de alguém para espionar algum morador ou moradora do bairro, da rua? E, se este a ser espionado sou eu?

Depois desta pergunta passei a olhar o Homem com mais atenção e por que não dizer com alguma suspeição.

Observei que ao sair de casa antes das sete da manhã ele já estava de vassoura na mão e varrendo a rua do outro lado da esquina e foi então que notei que usa um avental branco, touca branca e um lenço branco amarrado no pescoço.

Estranho, não? Varrer ruas e calçadas de roupas brancas.

Sonhava o Homem ser médico, enfermeiro, agente de saúde, cabeleireiro, açougueiro… ou é simplesmente uma mania, um desejo de mostrar seu asseio?

Durante uma viagem no mês de dezembro tomei conhecimento, por meio do grupo de WhatsApp do condomínio, que o Homem estava varrendo a rua toda, ou seja, as duas calçadas.

Pronto, perdi a razão de reclamar.

Mas o grupo também informava em dar uma contribuição, ou seja, fazer uma vaquinha, para presenteá-lo no natal com uma cesta. Mas varrer a rua por uma cesta de natal?

Hoje, após chuvas torrenciais e com água empoçada vejo o Homem de capa amarela – por baixo, a indefectível roupa branca – destas de frentistas de posto de gasolina ou de bombeiros ou de algumas policias, varrendo a água acumulada. Bonito ato: limpa a rua, e não deixa água para criar insetos como o Aedes aegypti.

Já que a prefeitura não o faz, o Homem – de quem até agora não sei o nome, tampouco de onde veio e para onde vai, o que faz além de varrer as ruas e as calçadas e quem o remunera – faz.

Quanto a me espionar, não tem o que espionar.

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