Fale da mulher

Quero aqui agradecer o apoio da minha mulher e de todas as mulheres, afinal nasci de uma mulher. Peço aplausos para elas!

Dia internacional da mulher, 8 de março: não vou escrever sobre a mulher e/ou sobre o feminismo. Vou falar sobre os homens. Afronta?

Todos somos machistas.

Há aqueles que não se consideram machistas: esses são os piores.

O machismo não cai do céu nem é enviado do inferno, é fruto da educação e da cultura machista, a que meninos são submetidos deste que nascem: homem não chora, menino veste azul, menina veste rosa.

Quando médico, ou mesmo estudante, nos plantões em maternidades, só de caminhar pelos corredores sabia se a criança recém-nascida era menino ou menina. Nas portas dos quartos, se menino, estavam penduradas bolas, camisas de time de futebol, pequenas chuteiras e outros símbolos da masculinidade. Se menina, bonecas ou roupinhas cor de rosa.

Mas alguém pode perguntar: queria o quê, uma boneca pendurada na porta de um quarto onde dentro está um menino ou uma bola se fosse uma menina?

A resposta é não.

Poderiam estar penduradas somente flores ou outra demonstração de alegria, se é que a vinda de todas estas criaturas eram desejadas pelos casais.

Claro que escrevo sobre a ala do setor privado antes da existência do SUS. Naquele período quem não pagava Previdência Social ia para o setor das indigentes. Ali não havia flores, chuteiras, bolas, roupinhas, etc. Havia a enfermaria com 10 ou mais mulheres cada qual com sua alegria, tristeza ou solidão.

Assim como não se nasce mulher, não se nasce machista. Somos construídos.

A consciência de que é machista também não cai do céu, se ganha aos poucos e geralmente por cobranças de mulheres, principalmente das feministas, daquelas que os homens acham chatas. Vira e mexe estas “chatas” estão lá lhe informando que acaba de cometer um gesto, ato ou comentário machista. Se virar as costas a estas cobranças sempre vai se olhar no espelho como o homem perfeito. Nunca enxergará o machismo que carrega.

Se ao contrário, ao ser chamado de machista, olhar com atenção para as imagens sobre as mulheres que construiu e foram construídas dentro da cabeça, na alma e no coração, saberá que é machista e que precisa desconstruir-se.

Esse é um processo difícil, diário e dura enquanto viver. Será que um machista se desconstrói em mil anos?

Para isto é necessário um autopoliciamento cotidiano, e começa com coisas simples, não rir das piadas machistas, e tampouco contá-las.

Quando conseguir ficar com vergonha pela piada, gesto ou comentário de um machista, e melhor, chamar a atenção, é sinal que começou a movimentar as bases desse pensamento.

Não sou exemplo e tampouco estou dando lição, sou aprendiz de como viver em desconstrução e construção de outro ser.

O machismo está encrustado no aparato estatal. Há ampla maioria de homens sem nenhuma preocupação com o próprio comportamento ou com as posições que as instituições tomam a favor do homem e do machismo. Isto ficou demonstrado na CPMI da violência contra a mulher.

Por 26 anos exerci mandatos e sempre participando de campanhas eleitorais de candidaturas para todos os cargos. Algumas campanhas poderiam entrar para o folclore se os discursos não fossem trágicos e/ou de profunda ignorância [no sentido de ignorar] e truculência contra a mulher.

Numa das campanhas em um município do litoral paranaense estava no palanque em apoio a um dos candidatos e, como não poderia deixar de ser, havia uma fila de pessoas para arengar, inclusive eu. Éramos todos secundários. O importante era o candidato a prefeito, por isso o último a discursar.

No palanque muitos homens. Mulheres, não lembro se havia mais alguém que não a esposa do candidato.

Chegado o grande momento, o discurso do candidato, ele deita a tecer críticas – era um rosário – ao seu adversário. Críticas entremeadas com frágeis propostas.

Falava o que iria fazer para melhorar o atendimento à saúde da população do município e já emendava sobre os problemas da educação. Não esqueceu os buracos das ruas e o juramento de que, eleito, iria tapá-los.

Ao lado dele, a esposa impacientemente aguardava que ele propusesse alguma política pública para a atenção às mulheres. Vendo que o discurso já se encaminhava para o final, em voz baixa, mais audível para nós do palanque, ela cobrou: fale da mulher.

O discurso se alongou, a insistência aumentou e, depois de três ou quatro pedidos da esposa “fale da mulher”, ele de fato falou.

Quero aqui agradecer o apoio da minha mulher e de todas as mulheres, afinal nasci de uma mulher. Peço aplausos para elas.

P. S. Está crônica foi concluída antes da demonstração explicita e criminosa de machismo do deputado estadual de São Paulo, Arthur Do Val, conhecido como Mamãe Falei (Podemos). Ele falou o que muitos homens praticam, pensam, mas não falam.

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