Dedicatórias

Os que dão livros, e antigamente também davam de presente discos, os Long Plays (LPs) – CDs tiveram vida curta –, geralmente conhecem o tipo de leitura e música que o presenteado gosta e, às vezes, escrevem uma dedicatória.

Algumas pessoas, principalmente nos amigos secretos, tomando conhecimento do gosto pela leitura ou pela música do seu amigo, davam de presente um livro ou um disco. Às vezes, este presente era um “fora”. O presenteado não gostava daquele tipo de leitura ou da música. Às vezes, estes também vinham acompanhados de uma dedicatória.

Quem me conhece sabe que gosto de ler e ouvir músicas. Sabe também que tipo de leituras e de músicas que aprecio. Nestes casos, sempre sou presenteado com algum livro ou, mesmo fora de moda, algum LP usado, com ou sem dedicatórias.

Algumas vezes, o livro me foi presenteado porque a pessoa queria me fazer um agrado, mas, às vezes, o livro não me agradou. Nestes casos, há agravantes: tenho dificuldades para me desfazer de livros, principalmente se tiver dedicatória. Mesmo que nunca vá lê-lo não me desfaço dele.

Nos últimos tempos, os LPs que ganho são de pessoas que sabem que gosto de música e ainda mantenho minha radiola ou rádio vitrola (nomes poucos usados, não?) para ouvi-los. Com os LPs o apego não é o mesmo. Consigo, claro que com alguma dificuldade, me desfazer.

Quando visito sebos, tanto no setor de livros como no dos discos usados, o que me chama a atenção são as dedicatórias. Como alguém que ganha um disco ou um livro com dedicatória, ou mesmo com o autógrafo do escritor, compositor ou cantor se desfaz do “objeto”?

Coloco a palavra objeto entre aspas porque, entendo, que no momento em que há uma dedicatória, deixou de ser um objeto para ser algo mais íntimo, mais afetivo, coisa de coração (é muito sentimentalismo?). Ninguém fará uma dedicatória se não tiver uma razão afetiva.

Cristhiano Aguiar, no artigo “A Instrução e a Fábula”, comenta o romance Dom Pantero no Palco dos Pecadores, de Ariano Suassuna. Escreve ele que “todo escritor e escritora, mesmo ao elaborar a obra mais realista e contida possível, cria um mundo, um universo ao redor da própria palavra criativa. O afeto que sentimos diante de um livro diz respeito inclusive a isso, ao quanto estaremos dispostos a viver esse outro mundo, a apagar nossa própria vida e, em caráter temporário, misturá-la com a ficção”.

Ao receber um livro com dedicatória soma-se “afeto que sentimos diante de um livro” com o carinho da dedicatória e de quem a fez. Desfazer-se de um livro ou disco é “abandonar” os afetos que recebeu. Assim imagino.

Segundo o dicionário Houaiss, dedicatória é substantivo feminino, que significa uma “inscrição afetuosa que marca um presente ou lembrança, como livro, retrato etc.; dedicação; mensagem escrita por autor, intérprete, ator etc., em livro, CD, foto ou outro objeto artístico ou literário, e destinada a quem o adquiriu ou recebeu graciosamente”.

O conceito de Houaiss e a ideia de Cristhiano Aguiar me dão razões para ficar matutando, para buscar entender porque uma pessoa se desfaz, como se fosse um objeto qualquer, de um livro ou um LP que tem uma dedicatória.

Para não matutar sozinho é que me propus a escrever uma coluna neste Plural com o titulo “Dedicatórias”. Sei quando ela começará a ser publicada e não sei quando terminará. Talvez termine amanhã – após a publicação do primeiro texto – por falta de assunto, falta de leitores e não por falta de dedicatórias.

Ao ver tantas dedicatórias de amor abandonadas nos sebos, tomei uma decisão: não escrever mais dedicatórias. Imagine escrever uma dedicatória começando ou usando “ao meu eterno amor…” e depois ser “abandonado” num sebo ou pior numa lata de lixo. Então pensei:

Dedicatórias.

Dito-as no meu cérebro e coração.

Não posso escrevê-las.

Quando outro amor se interpõe,

se impõe.

A dedicatória seria a confissão:

o antigo amor não foi eterno. 

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