Achados & Perdidos

ACHADOS E PERDIDOS é título de um poema do Mário Quintana, publicado no livro Velório sem Defunto:

Eu conduzo minha poesia como um burro-sem-rabo / Nesta minha Porto Alegre de incríveis subidas e descidas / … / E desconfio / Que meus melhores poemas terão caído pelo caminho… / Mas como saber quais são? / Alguém por acaso, os pegará de chão / E vai ficar pensando que espantoso achado / …

Ao contrário de Quintana não perdi poemas, poesias e versos. Não se perde aquilo que não se faz e não se tem. Apesar do genocida Bolsonaro tampouco perdi as esperanças. Não perdi-as porque as levo no coração e não no bolso.

As “cartas” e os “bilhetes” que recebo tampouco os levo nos bolsos. Guardo-os na memória – já que não confio na minha – do computador, porém esqueço em que – ‘gavetas’ – arquivos estão guardadas.

Hoje abri uma gaveta e encontrei algumas cartas – que comento – grudadas no fundo, outras estão perdidas, espero que não para sempre.

Entre as poucas que encontrei está a do Reni Denardi. Escreveu [ele] que gosta de ler as crônicas, pois … me tocam no fundo da alma, evocam saudades e poesias.

Algo semelhante escreveu o Vanderlei Sartori: que as crônicas despertaram nele a saudade da poesia. Ela estava meio adormecida. Me deu uma puta vontade (saudade) de ler Drummond… hoje ele não escapa.

Enquanto eu ‘salvo’ as “cartas”, e perco-as nas gavetas, o Moisés Campos salva as crônicas, para segundo ele, no futuro, provar que um médico pode entender de corpo humano.

Entendi a crítica do Moisés e acho-a importante neste momento de pandemia, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) referenda – como instituição – as terapias à base de cloroquina do sábio Bolsonaro.

Apesar do CFM há muitos/as médicos/as que entendem de corpo humano e felizmente há também aqueles/as que entendem da alma humana.

A Tânia Galvão escreveu que aprecia a escrita leve e me [ela] delicio com as histórias, muitas vezes me remetendo a passagens de minha própria vida.

O escrever sobre as dedicatórias é imaginar alguma passagem da vida de quem dedicou e de quem recebeu, e foi pensando assim que me propus a escrever sobre uma coisa que sempre me ‘incomodou’: tentar ‘adivinhar’ por que pessoas desprezam ‘objetos’ de valor afetivo. Mas pelas ‘cartas’ que recebo sinto que também desperta memórias, saudades, recordações…

Pelas ‘cartas’ constatei que mais gente não compreende o desprezo destes ‘objetos’. O mesmo Moisés comenta: Têm muitos livros nos sebos que foram dedicados a alguém, e esse alguém não correspondeu com o gesto carinhoso.

Assim como o Moisés, o argentino Daniel Rosano, da cidade de Quilmes escreveu: …las dedicatorias. Siempre me llamó la atención cuando compro un libro usado encontrar, … Yo no podría asegurar que hayan sido vendidos por el “presenteado”. Puede acontecer que el destinatario ya haya fallecido (en los casos de los más antiguos) y su biblioteca adquirida por “alguien” que vende… Incluso en Mercado Libre se suele poner “firmado por el autor” “con dedicatoria del autor”.

Entre achados e perdidos encontrei um “bilhete” da Rosiany Maria da Silva: escrever sobre isso [dedicatórias], e ainda traçando em suas interpretações, caminhos para análises políticas.

Os comentários – curtos – sobre politica é um chamado ao não esquecimento da realidade. Às vezes – mesmo que involuntariamente –, a política vem explicita nas “cartas”, como a da Aurenice Pinheiro ao comentar a crônica “Lua”:

O R. pode ter morrido e os filhos dele não entendem de música nem da importância dos LPs na produção musical e cultural.

Sim, é uma hipótese para a venda de um LP que contém uma dedicatória assinada por um dos músicos do grupo. Apesar de grandes e bons/boas artistas que o Brasil tem, o que esperar da produção musical e cultural de um país dominado por fascistas, que sequer tem Ministério da Cultura?

Estamos literalmente perdidos.

Entre achados e perdidos encontrei um – segundo Rejani Cristina Kruczewski – ‘tratado’ comentando a crônica “Abandonado num sebo”. Por ser um – bom – tratado não cabe numa crônica.

No fundo da ‘gaveta’ estava um ‘bilhete’ do Rogério Galindo, aqui do Plural. Diz o bilhete: O Nilson Monteiro me escreveu sobre a sua coluna, dizendo que fez ele lembrar desse poema:

Meu coração foi apunhalado, / gritos dilacerantes / borrifaram fogo e / estrelas empalideceram / em silêncio.

O escuro remói cinzas. / Nada beija a vida. / …

Morri em meus filhos, netos e bisnetos, / morri em palavras caladas / morri em gerações defloradas / … No atual momento morremos um pouco de cada dia e, não é morte natural, é morte matada pelas políticas de ratas, rateros y ratones.


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