2022: o tempo continuará nos enrugando

Não sei desde quando, mas a cada ano, aumenta dentro de mim, com a aproximação do Natal e do novo ano, um desconfortável inconformismo e indignação ao ver tantas pessoas sentindo a necessidade – imposta pelo capitalismo – de comprar presentes, ou mesmo ter a obrigação de festejar, ficar alegre e rir.

Em 2017 escrevi (http://porem.net/2017/12/23/bom-natal/) que, naquele ano, ao contrário de muita gente que envia cartões com jargões ou frases feitas, os meus votos foram com uma simples frase: Te desejo “Bom Natal”, como te desejo “Bom dia” todos os dias.

Houve quem não gostou. Entendeu que eu estava desrespeitando o dia sagrado de nascimento de Jesus. Desde então passei simplesmente a desejar “bom dia de Natal” e não mais “Feliz Natal”.

No final de 2017 – provavelmente também publicado no porem.net – ao desejar bom 2018, a quem me lesse, escrevi:

Sei que 2017 começou em 2016, ano em que os golpistas atuaram com afinco contra o Brasil, os brasileiros e a democracia, e terminará em 2018. Não sei em que dia de 2018 terminará e em que dia iniciará o ano novo.

O que posso te desejar para 2018? Pouca coisa? Muita coisa?

Hoje concluo que 2016 não terminou em 2018, e espero que seja concluído ao final de 2022.

Desde 2016 tudo piorou. Piorou a situação econômica-social, moral, psicológica, ética, pioraram as relações humanas. Solidariedade e humanismo restaram para poucos e entre poucos.

Observo que neste final de 2021, nas ruas, tem menos gente com pacotes que em anos anteriores. Vejo também mais gente com rostos tristes e famintos.

No Centro Cívico assisto a um presépio vivo de dor e desprezo. São indígenas, remanescentes dos povos originários, esperando, não por um salvador, mas sim pela abertura da Casa de Passagem que o “misericordioso” alcaide fechou, e insiste em não abrir. Pior, não permite o uso dos banheiros da prefeitura e sequer a instalação, na praça, de banheiros químicos.

Nas ruas também há mais gente – morando – deitada, sentada, esfarrapada e falando sozinha. Nos semáforos o número de pedintes e vendedores de docinhos, frutas ou qualquer outra coisa é o retrato do desprezo de uma sociedade avarenta.

Há pessoas que tentam vender algo nos semáforos, e para alguns ainda restou a conta bancária, informando num papelão: “aceito o pagamento por pix”.

A tristeza maior está reservada para as calçadas em frente aos supermercados: há famílias inteiras esperando pelo ato cristão da esmola ou qualquer outra doação.

Estas cenas – pela simples razão de poder comprar comida – trazem-me o sentimento de culpa, que aumenta se por acaso gasto um pouco mais, ou trago para casa algum supérfluo como, por exemplo, uma garrafa de vinho.

Nada espero dos que nos governam em 2022.

O que posso prever, apesar de não ter bola de cristal, é que muitos iniciarão o ano se abraçando e chorando a tristeza das muitas perdas. Outros chorarão, ou poderão sorrir por parcas alegrias.

O carnaval, se nenhuma nova epidemia impedir, sairá às ruas – mesmo que pobre – com o seu samba, maracatu, frevo, marchas e… algumas pessoas preferirão valsas e boleros.

Em 2022 continuarão a existir as fake news, o amor e ódio, brigas, trabalho, cantos, abandonos, achados e perdidos, adeuses e o dormir e acordar, mesmo, se é que há hora, fora de hora. O tempo continuará passando e nos enrugando e, por serem de barro, muitas almas racharão.

Ah, sonhos também existirão – pelo menos em Curitiba -, nem que sejam somente aqueles cantados, no repetitivo e cansativo de todos os dias:

Olha aí, freguesia, é o carro do sonho que está passando. Sonho bem fresquinho. Sonho de nata, creme, doce de leite, chocolate e goiaba.

É o sonho, freguesia. É o carro do sonho que está passando.

Pena é que, em 2022, nem este sonho estará ao alcance de todos.

Alguém que até aqui leu pode imaginar que não comemoro o ano que está por vir e que não acredito que possa melhorar. Comemoro sim, e acredito em melhora, afinal é um ano a menos no calendário do fascismo brasileiro.

Acredito que 2022 será o ano de plantar as boas sementes para a colheita de 2023.

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