Viagens de ônibus

Já viajei muito de ônibus na minha vida, principalmente no trecho entre o Paraná e o Rio Grande do Sul, onde parte da minha família mora e as estradas são horríveis. Tem tanto buraco que você não desvia dos buracos, mas sim do asfalto. Pelo menos a vista interiorana é linda.

Uma vez peguei o ônibus para a cidade errada e só percebi depois de uns 10 km de viagem, aí me largaram no meio do nada, tive que pedir carona para voltar até a cidade de novo.

Já desci no lugar errado também. Eu havia feito uma cirurgia na mão, onde tive que pôr uma placa de metal e parafusos, por causa da dor eu não conseguia dormir, aí o médico me receitou valium. Pra quem não conhece, valium é um remédio de tarja preta, que te faz dormir pesado durante um bom tempo, mas que também te deixa muito doidão quando está acordado. Tomei um valium e entrei no ônibus, mas acordei na metade do caminho, bem doidão e desci na cidade errada quando o busão parou em uma rodoviária. Quando percebi o erro, entrei de volta no ônibus, mas também era o ônibus errado. O problema é que logo que sentei na poltrona, já reclinei e fui dormindo. Acordei com o motorista me dando uns tapas na cabeça. Mas era o motorista do meu ônibus, que estava me procurando já fazia um tempo. Ele só saiu a me procurar, pois quando desci ele viu a minha feição de dopado e achou que eu tinha problemas mentais, e estava viajando sem cuidador. Por isso eu havia me perdido. Pedi desculpas para a mulher que estava sentada do meu lado, pois eu havia babado em seu ombro, e guiado pelo meu motorista, voltei para o meu ônibus.

Sempre dei muito azar em viagens. Se havia um ar condicionado quebrado, estava pingando na minha cabeça. Se estava frio e tinha uma janela que não fechava direito e vinha um vento lazarento, era a minha janela. Se estava muito calor, a única janela que não abria era a minha, e assim por diante. Mas definitivamente nunca tive sorte de sentar ao lado de alguém agradável.

Teve uma vez que viajei por uns 120 km ao lado de um senhor que resolveu fazer a sua refeição durante a viajem. O problema é que a sua dieta era baseada em salame e queijo, mas não eram apenas algumas fatias de salame, e sim duas “perna’ inteiras, das grandes, defumando todo o ônibus. Por que as pessoas insistem em comer durante a viagem? Não existe viagem sem som de pacote de salgadinho e refrigerante sendo abertos.

Uma das coisas mais difíceis para o ser humano é usar o banheiro do ônibus. É um verdadeiro desafio. Depois que você demora um tempão para se equilibrar, e espera dar uma”retinha” no asfalto bom, para aí sim fazer o xixi, parece que o motorista sabe disso e no exato momento em que você inicia o processo de micção, ele procura um buraco na estrada, só para fazer a cabine chacoalhar como num terremoto, fazendo com que uma simples ida ao banheiro se torne uma aventura de tiro ao alvo num parque de diversão. Para os homens, é como participar da gincana do Gugu, onde no meio daquele sacolejo todo, você tem que acertar o esguicho no buraco certo. Para as mulheres, acredito ser igual a uma subida num touro mecânico, onde o touro é a privada. “Segura mijãããooo!!!!” É mais ou menos este o sentimento de uma simples urinada durante a viagem num ônibus.

Mas nada disso tudo se compara ao dia em que eu me tornei Valdir. Isso mesmo, me tornei outra pessoa e essa pessoa se chamava Valdir.

Foi assim, eu estava vindo de Sarandi (RS) para Curitiba, entrei no ônibus e logo em seguida, enquanto o cobrador colocava as malas no bagageiro, uma senhora de uns sessenta anos sentou ao meu lado.

– Eu não acredito, Valdir!

Olhei pela janela tentando encontrar quem era o tal Valdir que ela havia visto, mas aí vi que o negócio era comigo mesmo.

– Valdir, como você está diferente.

– Minha senhora, estou diferente porque não sou o Valdir, meu nome é Fagner.

Aí ela ficou me olhando por uns instantes, e começou a gargalhar.

– (hahahaha) Você hein Valdir, brincalhão como sempre.

– Minha senhora, não sou o Valdir.

– Valdir, como tá a dona Nêna?

– Pois olha, isso a senhora vai ter que perguntar para o Valdir, eu sou o…

– Gilmar! Gilmar! Vem aqui ver quem tá no nosso ônibus e vai viajar com a gente!

Aparentemente o Gilmar era marido dela. O Gilmar chegou.

– Não acredito, Valdir! Como tu tá diferente!

– É porque não sou o Valdir, meu nome é Fagner.

– (hahahaha) Má tu sempre foi brincalhão hein Valdir! Como tá a dona Nêna?

– Meu senhor, não sei quem é o Valdir, muito menos quem é a dona Nêna.

– Tu também tá indo pra Curitiba?

Não tinha jeito, para eles eu era o tal Valdir e pronto, e iria ter que interagir como Valdir durante as 11 horas de viagem até Curitiba. Aí resolvi agir, precisava me livrar deles.

– (hahahaha) Me pegaram hein seu Gilmar! Sou mesmo o Valdir. A dona Nêna está muito bem, vou falar que vocês mandaram um abraço para ela e com certeza ela vai querer dar um abraço forte em vocês quando se virem de novo.

– Ué, mas como ela vai abraçar a gente, a dona Nêna não havia perdido os dois braços naquele acidente com a carroça?

– Eu quis dizer que vocês vão querer dar um abraço nela!

– Gilmar, faz um tempão que não vejo o Valdir, deixa eu falar com ele. E o que você está fazendo lá em Curitiba? Tá estudando?

Aí nisso vi a oportunidade de me livrar deles.

– Então, eu acabei me envolvendo com umas pessoas ruins, participei de um assalto e fui preso, mas me soltaram e estou respondendo em liberdade.

Notei que nitidamente havia deixado eles desconfortáveis, mas não foi o suficiente para afastar o casal de velhos chatos, só o seu Gilmar.

Muié, acho que vô sentá no meu lugar.

Mas o lugar dela era exatamente ao meu lado. Ele foi, ela ficou, eu continuei.

– E veja só, para sobreviver eu danço pelado num clube de mulheres.

– Ah é Valdir? (Falou isso arregalando os olhos)

– Sim, mas só faço isso para ter um pouco mais de dinheiro, porque ultimamente a polícia está muito em cima quando eu saio para vender.

– O corpo?

– Não, não, para vender drogas.

– Mas você faz isso porque não conseguiu emprego e precisa sobreviver, né?

– Não, não, é pra pagar festa mesmo, prostituta custa muito caro hoje em dia.

Aí ela me pediu licença, levantou, foi até o marido, cochichou no ouvido dele e os dois saíram do ônibus. Viemos para Curitiba sem aquele casal.

Não sei como era a vida do tal Valdir, só sei que provavelmente daquele dia em diante provavelmente ele ficou mal falado na cidade e eu, meus amigos, pela primeira vez na vida, viajei sem ninguém sentado ao meu lado. Dormi a viagem toda. Grande Valdir, espero que esteja lendo isso, obrigado por tudo e desculpa qualquer coisa.

 

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