Eis que um dia o Diabo resolveu deixar de ser diabo e veio para a terra para viver como um cidadão comum. A notícia se espalhou rapidamente, muita gente começou a cometer crimes, sem temer a punição pós-morte. Começaram os questionamentos e, prevendo que teria que se explicar para todos eternamente, o que seria pior do que estar no Inferno – basta um encontro de Natal com toda a família para saber disso – ele resolveu aceitar um dos inúmeros convites que recebeu para dar entrevista depois de ter largado mão de ser o “Senhor Das Trevas” e dar as caras por aqui. Aceitou o convite do programa de maior audiência do momento, o Programa do Armando.
O letreiro vermelho escrito “NO AR” ascende. Alguém fala:
– Entramos no ar em 3…2…1…
Começa o programa e o apresentador já inicia dando as boas vindas.
A – Sejam todos bem-vindos ao Programa do Armando. E já vamos começando, pois nosso ilustre convidado já está chegando!
O jingle toca e o Diabo entra. Diferente do que todos esperavam, que ele viria de terno e gravata, no mínimo, ou usando um sofisticado smoking, na verdade entrou vestindo uma camisa havaiana florida, bermuda e chinelo de dedo.
A – Seja bem vindo, Lúcifer, é um prazer te conhecer.
D – Tranquilo, nosso encontro era inevitável, iria acontecer mais cedo ou mais tarde.
A – Sério?
D – Fica susse, estou aposentado.
O Diabo falou isso dando um tapinha nas costas do apresentador, já sentando no sofá ao lado da longa mesa, ficando bem à vontade, com as pernas cruzadas, como se estivesse relaxado.
A- Te chamo de Lúcifer, mesmo?
D – Pode ser, mas só Diabo já está ótimo.
A – Ok, então, Diabo, conte aqui para a gente, o Elvis tá no Céu ou no Inferno?
D – Acredite, o Elvis não morreu. Não é porque vocês não veem que não existe. Vocês tem complexo de Tomé, olha eu aqui, muita gente não acreditava que eu existisse, agora uns até se converteram e hoje rezam de joelhos para não cruzarem comigo.
A – E o que aconteceria com eles se cruzassem com você?
D – Hoje em dia nada, larguei essa vida, tô de boa.
A – Mas e quem vai ficar no seu lugar lá no inferno? Quem vai torturar os pecadores?
D – Não sei e nem quero saber. Mas tem bastante candidato postulante, como o Ustra, por exemplo, que tem uma certa experiência no meu ofício.
A – Onde você está morando agora?
D – No momento estou hospedado na casa de um amigo no Boqueirão, mas já tô procurando um apê em Colombo, me sinto bem lá. Por algum motivo me sinto em casa.
A – E porque logo na região de Curitiba?
D – Cansei do calor, e vocês sempre diziam que aqui fazia um “frio do Djanho”, pois bem, eu vim. E convenhamos, muita coisa bizarra acontece por aqui. É uma cidade divertida.
A – Sei. Agora que encerrou sua carreira, avaliando todos esses milhares de anos em uma das funções mais importantes do Universo, o que você se arrepende de ter feito?
D – Hummm, deixa eu ver, acho que a Lambada foi um erro, não deu muito certo e a música acabava incomodando um pouco os ouvidos das pessoas, assim como a Banda Calypso. De onde você acha que vem o nome “Chimbinha”?
A – O que faz com que uma pessoa vá para o inferno?
D –Basicamente cometer pecados ou ficar enviando mensagens pelo WhatsApp, dando bom dia no grupo da família ou do trabalho.
A – E pornografia no grupo dos amigos é pecado?
D – Não.
A – Mas isso não faz sentido algum. Bom dia não pode, mas pornografia pode?
D – Qual deles é o mais chato?
A – É, acho que vou ter que concordar com isso. Mas afinal, o que realmente é pecado? Por exemplo, roubar é pecado?
D – Claro que é! No Brasil isso virou banal, brasileiro geralmente acha que não vai dar em nada. Teve uma vez que tive que punir um indivíduo que roubou um jumento e tentou fugir montado nele, foi preso 16 metros depois. Puni mais por causa da burrice do que pelo crime cometido.
A – E trair, é errado? Quem trai vai para o inferno?
D – É lógico! O pioneiro foi Judas, estou torturando ele até hoje.
A – Mas ele não se arrependeu? Não deveria ser perdoado?
D – O cara traiu Jesus, não a Ana Maria Braga. Se ligue!
A – Entendi, entendi…E Fazer bacanal, pode?
D – Se for bem organizado, pode.
A – Quem fuma maconha vai para o inferno?
D – Não! Quem disse isso? E outra coisa, essa história de “Cigarrinho do Diabo” é um erro, quem foi mesmo que criou as coisas da natureza? Hein? Hein?
A – E quem faz tatuagem, vai?
D – Se for daquelas verdes, de palhaço, feitas na cadeia, vai.
A – É verdade que você fez um pacto com a Xuxa? Dizem que ela fez um LP dedicado a você.
D – Não. Na verdade fiz o pacto com uma banda de rock de thrash metal. Quando tocamos o disco deles ao contrário, saiu a voz da Xuxa e as músicas que agora fazem parte do repertório dela.
A – Qual a tortura mais eficiente que você já aplicou?
D – Teve uma mulher que falava coisas horríveis dos outros, tão horríveis que nem vou citar aqui ao vivo, mas tive que inventar uma tortura especial para ela. Deu supercerto.
A – O quê você fez?
D – Fiz um looping. Cada vez que ela tenta falar algo de alguém, entra a voz do Faustão interrompendo ela.
A – O que você faz para as pessoas que não acreditam em você?
D – Eu, nada.
A – Ué, você não pune elas por não acreditarem em você?
D – Quem tem este costume aí é Deus.
A – Mas nem pessoas insistentes como o Padre Quevedo, que dizia que “demônios não existem”?
D – Intriga da oposição.
A – É verdade que você fez um seguro de vida?
D – Sim. Como eu disse, vou morar em Colombo.
A – Para finalizar, agora que você não é mais o diabo, o que você vai fazer da vida?
D – Vou abrir um escritório de advocacia. “Lúcifer e Advogados Associados”.
A – Bom, e com isso chegamos ao fim do programa (ouve-se um som de “aaaaahhhh” vindo da plateia que queria mais tempo de entrevista), estivemos aqui com ele, Lúcifer, o Diabo…
O Diabo interrompendo diz:
D – Espera, tenho um presente para você. Tó, estes são meus chifres, vão lhe caber direitinho.
O Cramunhao dá seus chifres nas mãos do apresentador.
A – Mas e porque eu usaria isso?
D – Pergunte para a sua mulher.
A – Ué, mas ela é puritana na cama e totalmente fiel a mim, confio plenamente nela.
Aí o Diabo levantou e saiu dando sua inconfundível gargalhada. Não adianta, a humanidade jamais vai aprender.