a questão é imaginar. Mero exercício mental. Imaginar que se trata de uma divindade, de algum ente com poderes sobrenaturais. Ou não. Esse recurso é definitivamente dispensável. Digamos que se trate de súbita percepção da realidade incontornável. Inexplicada por inexplicável. Doada, dotada. Recebida sabe-se lá de onde. Ou de mais quem.
O sublime.
É supor o seguinte, que você sabe que a tua vida acabou. Que está com seu fim decretado. Que aquilo que era sempre horizonte é já linha de tropeço. Ponto iminente. Sem fuga.
Que é agora.
Mas que por alguma razão, em vez de ser exatamente agora, o momento final, você fica sabendo naquela estranha iluminação que pode prolongar tudo por mais alguns minutos. Minutos. Nada de anos, de dias ou horas. Minutos. Mas trata-se afinal de uma prorrogação.
E para ganhar essa prorrogação você precisa apenas escolher dentre todas as músicas que pôde ouvir na tua vida inteira aquela que gostaria de ouvir agora. Uma música. Apenas uma música. E sem trapaça.
Não é uma sinfonia. Não é um oratório. Não é um opus completo.
É uma canção.
Essa coisa incrível que o século vinte transformou na sua maior forma de arte. Uma canção apenas. Da tua vida inteira.
Pense.
Escolheu?
E agora ela vai começar a tocar, e quando acabar… ora. Você entendeu. É a última canção.
O exercício é este: imaginar essa situação estranha, quase ridícula. Patética. A morte protelada pelo tempo de estrofes e refrão. Qualquer canção tem esse poder. Elas sempre tiveram. Mas agora essa vai ser a tua.
O exercício é este: fazer-se essas duas perguntas.
naqueles minutos ganhos, você vai conseguir ouvir de verdade a canção da tua vida?
e se não, terá valido a pena?