Lia – Capítulo 86

— Foi estranho. Eu não vou te negar que foi estranho. Sei lá, depois de tanto tempo. Entrar ali naquela casa. Sem ela. A mesma casa. A casa dela. Mas sem ela. Parecia que a casa tava mais oca. Que a luz que ia entrando ali era mais fria. Parecia um silêncio mesmo com os barulhinhos de sempre. Parecia tudo ressonando. Sabe? Como a sensação visual que fosse o equivalente de entrar de sapato num ginásio vazio. Aquele eco. Aquele vazio. Eu dei uma geral nas coisas. Juntei umas coisas dela que estavam espalhadas. Guardei como ela ia querer guardar. E sempre com aquela dúvida. Sabe? Se estava fazendo certo. Mãe, né… Aquela sombra da voz dela mesma me dizendo que não era daquele jeito. Onde já se viu. Sozinha ali sem ela, e ao mesmo tempo aprendendo rapidinho que nunca ia ficar sem ela. A cada peça do varal que eu dobrava em cima da mesa da cozinha. Me deu vontade de tomar um café. Mas eu não consegui me motivar a fazer. Tirar coisas dos armários. Remexer por ali nas coisas deles. Naquilo ali que meio que já parecia um museu. Pensei em tomar um copo d’água. O dela estava na frente do filtro. Só consegui foi puxar uma cadeira e sentar um minuto. Foi aí que eu vi as plantas lá atrás e percebi que tinha que ir cuidar. A mangueira estava lá fora. Verde. Saí por ali de planta em planta. Tirando as folhas secas, molhando, catando uns matinhos. Uma ou outra fruta eu tirava e jogava no meio do gramado, pra deixar mais fácil pros passarinhos. Que era o que ela ia fazer. Eu fiz isso com ela tantas vezes. Eu nunca deixava de ir com ela. Ela ia molhando, podando, e me falando de cada planta. E das coisas mais malucas. Qualquer coisa que passasse pela cabeça dela. A gente levava horas. Pelo menos é assim que eu lembro. A gente levava horas passeando pelo jardim e deixando tudo bem cuidado. Era o jardim dela. Cada planta era dela. Cada canto. E eu fui me dando conta de que depois de tanto tempo andando atrás dela eu tinha aprendido quase nada sobre as plantas. Sabia tudo que ela tinha contado naquelas horas. E essas coisas eu ainda relembro em detalhe. Tem palavras que pra mim são dela. Aleá. Tem umas palavras… E vieram dessas conversas. Mas das plantas que era bom eu não aprendi nada. Não prestei atenção. Eu só tinha ouvidos pra ela. E agora era eu que tinha que cuidar do jardim dela, manter tudo aquilo vivo. E ela morava pra sempre na minha cabeça, mas as plantas não. E eu que tinha que manter aquilo vivo. Começar tudo de novo. Sempre. Sempre de novo.

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