Lia – Capítulo 85

A menina não parava de chorar. Desde que chegou, a mesma coisa. Sentadas no sofá, as duas conversavam, ou, pelo que Lia conseguia ouvir da cozinha, uma apenas gemia baixo, fungava e tremia, e a outra (sua filha, que incrível a sua filha, tão bonita, tão… tão madura) dizia palavras curtas e repetidas e, provavelmente, Lia entrevia, tirava sistematicamente o cabelo da outra do rosto.

Maria Cecília.

Outra Lia, em casa. Mas aqui sempre foi Ciça. E olhe que as duas se conhecem desde sempre. Desde que a família da menina um dia se mudou para a casa ao lado e, na mesma tarde, Lia descobriu que eles tinham também uma menina de três aninhos. As duas dali para a frente estiveram sempre juntas. Continuam. Irmãs, quase.

Mas a vida na casa da Ciça vinha ficando difícil. Idade difícil, é verdade. Mas aqueles pais… Será que eles bateram nela de novo?

Lia olhava algo ansiosa para a chaleira no fogão, enquanto tentava espichar o ouvido para a conversa das meninas. Não eram mais crianças. Não eram crianças. As meninas… Tinham cada vez mais que lidar com problemas complexos. Coisa de gente grande. Tinham que aprender a virar gente grande.

Que maravilha a sua filha ali como consoladora. Cuidando da amiga. Tirando o cabelo da menina da frente do rosto manchado.

Sujo.

Aquele cabelo que eles sempre mandavam cortar tão curto. A menina nunca teve escolha. Um comprimento bobo, ficava sempre na cara dela. E sujo. Sempre sujo.

A mão da filha agora ia sujando ainda mais o cabelo a cada gesto de limpar dele o rosto da amiga.

A chaleira.

Lia jogou a água fervendo no balde de metal que já estava pela metade com água fria. Foi cuidadosamente acrescentando a água e testando com o cotovelo, como se faz com o banho dos bebês, até encontrar a temperatura exata. O calor preciso, necessário.

Tarde gelada.

Jogou dentro do balde a caneca de lata e, arregaçando a outra manga, deu dois passos até o sofá da sala.

— Ciça, minha filha, vem aqui com a tia.

*

— Isso abaixa a cabeça aqui no tanque.

*

A água morna, os dedos grossos de Lia entre os cabelos, as mechas separadas que pingavam no tanque, a sensação no pescoço, calor de água e carne, pele e amor, sabão, espuma e afago. Carinho. Consideração.

Dos olhos fechados da menina, tocados pelo vapor que subia, tangidos pelo cabelo molhado, já não saíam mais lágrimas. De sua boca, subiu apenas um suspiro trêmulo enquanto sua mão direita subia para tocar a de Lia.

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