Lia – Capítulo 68

Ela está parada diante do espelho do banheiro. É cedo. Ninguém mais em casa está de pé. Ela está, e de fato se sente, completamente sozinha.

Mesmo assim a porta está fechada. Mesmo assim a porta está trancada.

O olhar fixo no olhar do espelho tem algo de resistência. Parece fácil ver que de fato ela se mantém de olho nos próprios olhos não por querer investigar a própria alma, não por querer entender o que traga por dentro. O fato é que aquele olhar inabalável está fugindo de enxergar outras coisas. Algo que, se ela esconde, esconde muito mais na superfície do corpo.

A mão direita tira de novo uma mecha de cabelo da frente do olho. A esquerda, enquanto isso, ligeiramente trêmula, continua segurando com uma firmeza talvez descabida o primeiro botão (o de cima) de um pijama de flanela azul clarinha. A boca está revirada para baixo. Firme. Mas torcida. Lia respira fundo.

Enquanto abre aquele primeiro botão seus lábios começam a se mover formando o que devem ter sido palavras com significados um dia claros, antes de a língua que ela fala se tornar coisa natural, objeto de todo dia, um móvel a mais que ela precisa contornar para atravessar os cômodos. Seu queixo treme um pouco sem no entanto atrapalhar esse monólogo com jeito de oração.

Pisca tão lenta que parece que não vai mais abrir os olhos.

Terminou de abrir a parte de cima do pijama, mas as duas laterais do paletozinho ainda se mantêm no lugar, descobrindo apenas um tanto de pele lisa, do esterno ao cós das calças.

O gesto que parecia levar as duas mãos à lapela do pijama desvia caminho e termina colocando o cabelo atrás das orelhas antes de cumprir o que anunciava. E num golpe ela está de peito nu diante do espelho.

Pisca tão lenta que parece que não quer mais abrir os olhos. Morde tão forte que a articulação da mandíbula lhe salta sob a pele dos dois lados de um rosto que já foi mais suave.

Desvia os olhos dos olhos. Olha firme e decidida para o corpo exposto. O corpo, o torso, o peito que a noite não alterou. Que o sono não curou.
Lia continua vendo um único seio.

O queixo treme descontrolado agora enquanto do olho esquerdo lhe cai uma lágrima grossa e lenta. Morde o lábio inferior enquanto sua mão parece querer e não poder se dirigir à superfície completamente plana do lado direito do tronco. Perfeita. Lisa. Está assim, desse jeito, há dias. As meninas da escola dizem que o outro também vai crescer.

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