Lia – Capítulo 64

Oi, fofinha.

Tudo bem?

Engraçado, né? Escrever uma carta pra você. A formalidade da ideia de uma carta. “Tudo bem?”. Até uma coisa dessas que a gente se diz todo dia de uma hora pra outra parece que fica meio sem jeito, meio duranga.

É estranho até eu precisar escrever uma carta pra você. Sentir a necessidade de conversar com você assim desse jeito. Acho que a gente nunca passou tanto tempo sem se ver, né? Ainda que a gente continue se falando. Ainda que a gente não se perca. Mas, puxa, eu ando com tanta saudade de te ver de verdade, de te dar uns apertos. Sentir o cheiro do teu cabelo.

Eu sei também… eu também sei que a gente tem evitado até dizer essas coisas. Eu digo “a gente” porque fico aqui imaginando que você pensa igual. Tem a mesma saudade. A gente sabe que é o passo da vida nesse momento, e que se eu ficar aqui me lamuriando do quanto sinto falta do tempo que a gente se via todo dia, o dia inteiro, eu vou só piorar a situação e criar assim meio que uma camada de tristeza. É a vida, né?

As coisas que acontecem com a gente.

Cobrir o mundo inteiro de couro sai muito caro. Mais fácil calçar sapato. Ou deixar a pele engrossar de tanto dar topada!

Enfim, saudade grande de você, minha filha.

Mas, ao mesmo tempo, queria só te dizer o quanto eu estou feliz (e essa parte talvez eu até envie mesmo) de ver você aí de pé, cuidando da vida, morando no teu apartamento. Como ficou bonitinho o teu apartamento! Não sei de onde você tirou esse bom gosto todo!

Hahahahahaha.

Só de saber que você está aí por conta própria, cuidando das coisas, pagando as contas, fechando a porta, quando volta do trabalho (você tem um emprego, fofinha!), e passando teu tempo no teu mundo, aí bem isolada nesse décimo-quinto andar, na tua torre, no teu apartamentinho pequeninho e tão bonito… puxa… me deixa com uma sensação tão boa. Com uma admiração tão grande por você. Pela tua capacidade de se pôr de pé, de lidar com as coisas, de manter tua cabeça em ordem, clara.

Eu sempre soube que você era melhor que eu. Mais adulta, mesmo quando ainda era criança.

Mas ver isso acontecendo todo dia, ver as pessoas descobrindo isso também, ver o mundo confirmando que sim, que a minha menina agora é uma mulher, eficiente, interessante, encantadora… de novo… é uma das maiores felicidades da minha vida.

E é meio que o bônus, né?

Porque eu só posso sentir tudo isso, e você só pode provar pra você mesma e pra o mundo inteiro o quanto você é capaz, se você estiver aí na tua torre, longe de mim. Se você estiver dando esse passo. Olhando o mundo bem de cima e entendendo tudo.

E eu fico aqui com uma sensação de que isso é só um período esquisito. Uma coisa a mais. Que vai passar, claro que vai. Vai virar ainda outra situação nova. Mas vai deixar ainda mais forte essa sensação de alegria de ter visto você ir pra longe de mim.

Sim!

Alegria também. De confirmar que o teu castelo de cartas não precisa mais da minha mão… que eu posso ir afastando o último dedo enquanto a torre fica de pé.

Sem mim.

Bem alta, bem firme, bem linda.

É.

Essa parte talvez eu até envie mesmo, fofinha.

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