Lia – Capítulo 45

Well she was just seventeen…

Na verdade Lia neste momento tinha menos. Talvez seus nove anos de idade. Vestidinho vermelho, na casa de uma amiga “rica”. Diante de uma vitrola mais ou menos nova, mais ou menos boa, mais ou menos alta. A outra não estava ali agora, a amiga. Ou não nos interessa que estivesse, não estivesse. Nosso tema é um só. O que interessa é ver Lia no centro da sala, no meio do tapete sintético, de olhos fechados, sorriso estático, mistura de sorriso e biquinho, olhos miúdos, ombrinhos cerrados… o corpo todo saltitando enquanto as pernas se moviam de maneira aparentemente desordenada, mas no tempo, no ritmo, batendo o dois e o quatro de cada compasso.

Quem não sabe dançar, ou quem se vê preocupado demais com a possibilidade (segura) de não saber dançar, nunca sabe o que fazer dos braços. Quem, como Lia ali aos nove, está simplesmente num outro plano de existência, disponível apenas para místicos, artesãos e dançarinos, não pensa no assunto. Quem dança assim não tem nem braços, mal tem corpo. Quem dança desse jeito é apenas música tornada carne. Não. Melhor. Carne feita som. Movimento. Cabelos voando por toda parte. Nossa menina.

I wouldn’t dance with another…

Dali a pouco entra na sala uma velha senhora, e a festa de Lia se interrompe.

Sempre assim.

Agora está em cena uma velha senhora, e a festa de Lia continua.

Sempre assim.

Well my heart went boom…

Os movimentos do corpo são agora muito mais contidos. Apenas a ponta do pé esquerdo bate o ritmo. Ainda marcando o dois, o quatro. Lia sempre teve ritmo. O vestido verde mexe pouco enquanto o corpo dentro dele se contorce levemente. O sorriso ainda é o mesmo, mas os braços agora estão grudados ao corpo, presos num movimento mais organizado e de certa forma menos… “explosivo”… Mas a música continua ali, nova, um todo pasmo de novidade. Uma vida inteira aberta diante de Lia, mesmo que não tenha ela seus dezessete anos.

A felicidade é a mesma de antes. O estado de… transcendência…?

Lia ali ao lado, ainda só. Lia solta entre os móveis. Lia coisa entre as coisas, matéria. Lia desprendida do mundo das coisas. Lia dançando sua música preferida desde sempre, desde agora há pouco. Lia feliz. Lia aos cinquenta e sete anos de idade, em casa, com o som bem baixinho pra não acordar a menina. Nossa menina.

I fell in love with her…

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