Lia – Capítulo 41

Os judeus, Lia sabia, por vezes deixam pequenas pedrinhas sobre a lápide dos túmulos que visitam. Ela sempre achou esse gesto bonito. Uma espécie de “estive aqui. De uma permanência tão diferente do costume de largar flores, perecíveis, em cima dos túmulos.

Imarcescíveis.

As pedras eram imarcescíveis, precisamente porque não tinham vida.

Lia um dia esteve em Dachau. Numa viagem de trabalho pelo Sul da Alemanha. Dia livre. Algumas pessoas decidiram ir visitar o campo. Lia teve suas dúvidas desde o começo. Não parecia ser uma ideia tão claramente boa, ir visitar um campo de concentração como “turista”. E ela ainda estava sofrendo os efeitos de outra visita, a um museu de tecnologia e ciência, que tinha no subsolo uma grande área dedicada a trens, com vagões e locomotivas de períodos diversos. Ela danava por ali, sozinha, desgarrada do resto do grupo, quando encontrou no que na sua lembrança era o centro geométrico daquele espaço, um pequeno vagão de madeira, isolado. Lia entrou no vagão, sem que ninguém conduzisse, sem que nada a forçasse a isso. Subindo os degraus que levavam a ele, leu a pla…

Mas Lia foi a Dachau. Num lindo dia de Sol.

Do campo restava pouco. Era como um imenso pátio onde ficavam delineados os espaços anteriormente ocupados pelos “alojamentos”. Sol calcinante. Cercas. Pedrisco. E uma bucólica trilha que levava por sob a linda vegetação a uma clareira, onde ficava o forno.

Lia tem desse dia uma imagem algo imóvel. Frita ao sol. Crepitante.

Lembra que num gesto irrefletido se abaixou, catou uma pedrinha e meteu no bolso. Lembra que imediatamente se arrependeu e tirou a pedra. Mas não conseguiu se livrar dela de imediato. Lembra de ter passado lentos segundos com aquela pedra quente rolando entre os dedos. Lembra de ter pensado em arremessar a pedra. Mas acabou depositando-a com cuidado no chão. Não sem antes ter se afastado alguns metros do local onde a pegou.
Hoje Lia lê no jornal que ele foi encontrado morto no Rio de Janeiro.

Assalto, aparentemente. Estava de camiseta, bermuda e chinelo. Sem nada nas mãos ou nos bolsos. Roubado. (Não se viam há anos, desde aquele dia na praia…) Mas curiosamente o texto do jornal registrava que, no bolso da bermuda, ele carregava um seixo redondo, cinza.

Foi Lia quem deixou aquela pedra ali.

Tantos anos antes.

(Ela ainda carrega a sua)

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