Lia – Capítulo 38

Ali sentada, um tanto protegida da luz do sol forte que de resto torrava o mundo inteiro, fazia a grama parecer pintada a giz de cera, refletia nas lajotas e na água, quase cegava. Ali sentada em paz, Lia começava a ver as bundas dos meninos.

Era a única menina. As outras todas fugiram da raia. Desistiram antes mesmo de começar. Até por isso ela tinha que continuar. Não podia desistir a uma hora dessas. Ela precisava ser a última.

Estava calma. Apesar de alguns já terem cedido à angústia, à dificuldade de se manter naquela posição. Apesar de da maioria já se verem as bundas contra o sol. Lia estava calma. Piscava lentamente, mantendo os olhos fechados por bastante tempo, mas sempre abrindo de volta, mesmo com a ardência que ia ficando cada vez maior. Era só você se interessar pela ardência. Não tentar brigar com ela. Não se deixar irritar pela irritação. Era só você ficar como que olhando aquela sensação e prestando atenção nos detalhes. Ela simplesmente virava uma coisa a mais no mundo. Um objeto. Um entorno.

A ardência nos olhos.

O peso no peito.

A leveza no crânio. Mãos enrugadas pela umidade.

Ela mexeu de leve a mão direita e passou a ponta do polegar pela lateral do indicador. Foi um erro. Arrepio. Repulsa. Era mais difícil ignorar esse tipo de repulsa do que as outras sensações. Seu coração acelerou um pouquinho. E era exatamente disso que ela não precisava aqui.

Bundas.

Mais uma agora, bem perto dela. O Rodrigo. Agitação da superfície.

Ela não queria começar a pensar no quanto estava ficando difícil. Queria simplesmente se manter calma, inabalada. Era o único jeito, ela sabia.

Sabia que era menor que eles. Sabia que era mais fraca. Fisicamente. Sabia que era a única menina e precisava ser a última. Sabia que tinha que ser na base da força de vontade e da paciência. Sabia que tinha que fingir que não se incomodava, e que esse era o único jeito de não se incomodar de verdade.

Agora era só o Flávio na frente dela. Com uma careta horrorosa. Se contorcendo de um jeito cada vez mais pronunciado. Tentando nem olhar na direção da Lia. O Flávio ia virar bunda em questão de segundos.

Pronto.

Subiu.

Ela quase foi atrás. Aliviada. Mas ainda não. Precisava de uns segundos a mais. Precisava esfregar a superioridade na cara daqueles bundinhas. Precisava lembrar de não puxar o ar de maneira desesperada quando voltasse também à superfície. O Marlos estava marcando o tempo.

Lia não sabia. Mas já passava agora de um minuto e meio.

Estava explodindo por dentro.

Mas quem olhasse da beira da piscina veria apenas uma menina sentada tranquilamente no fundo, mal tocada pela luz do sol que se filtrava na água agitada pelos braços dos meninos que boiavam.

Ligeiro sorriso. Olhos fechados.

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