Lia – Capítulo 29

Uma batida na porta do banheiro branco todo tomado pelo vapor morno da água do banho. Pela janela quadrada entra o sol do fim da tarde, deixando tudo, azulejos, pia e banheira, com uma aura leve de dourado.

Contra a luz, quem olhasse porventura da rua veria um fio de fumaça vazando por uma fresta aberta entre os vidros: e se espalhando pela fachada. O apartamento como que não cabendo mais em si.

Um rádio está no chão, Chico Buarque. Uma vela ao lado da banheira branca, amarela.

Outra batida na porta.

Lia, 42 anos de idade, está estendida na banheira, já mais fria do que seria desejável. Está ali há cerca de meia hora. Domingo. Relaxada. O silêncio na quadra é grande, carros nenhuns a essa hora. A única coisa que se ouve é um cachorro latindo incessante e ritmadamente, com pausas curtas, dentro de algum dos prédios vizinhos. Como se quisesse sair.

Lia, olhos fechados na banheira, ouve nem isso. A água agora já lhe cobre a boca, roça os zigomas. Relaxada, sim. Nem percebe.

As batidas na porta aumentam de intensidade e de frequência quando o rádio passa a uma música diferente.

— Mãe?

Só as duas em casa.

Sobre o/a autor/a

Rolar para cima