Linha amarela

Na primeira vez que pisei no metrô de Lisboa, na estação Aeroporto, linha vermelha, olhei o mapa e pensei que logo decoraria todas as estações da linha amarela, a que levava à Universidade de Lisboa, onde eu estudaria pelos próximos dois anos.

Os primeiros dias na cidade foram desafiadores, mas agradáveis, sobretudo porque eu contava com a companhia do meu pai, lisboeta-brasileiro, disposto a me mostrar os lugares que conhecia, o que diminuía o peso do problema que eu enfrentava em relação à moradia. Eu havia alugado um quarto em um apartamento no qual moravam outras quatro pessoas, e durante o tempo que vivi ali lidei com bitucas de cigarro jogadas na pia da cozinha, ruídos sem hora para acabar, roupas íntimas em lugares indevidos e uma série de infortúnios inéditos com os quais eu não estava disposta a conviver.

Lisboa passava por uma crise imobiliária que havia aumentado consideravelmente o valor dos aluguéis, e eu sabia que teria de renunciar ao centro da cidade para ter algum espaço. Depois de muita pesquisa, encontrei aquela que parecia ser a situação ideal: um quarto em um apartamento amplo na casa de um casal cujos filhos adultos haviam acabado de se mudar, com banheiro privativo, grandes janelas e um jardim imponente. A casa vazia deixava Anabela e Francisco, ambos beirando os 60 anos, aflitos, e mesmo Kiko, um cão de porte grande com uma energia inesgotável, não proporcionava movimento e agitação suficientes para o gosto dos donos.

O apartamento ficava em Póvoa de Santo Adrião, freguesia do município de Odivelas – este, o nome da última estação da linha amarela do metrô de Lisboa. Como eu previa, essa configuração me distanciava do centro da cidade, o que tinha pouca relevância diante dos benefícios de morar naquele que estava prestes a ser o meu lar: em um raio de 300 metros, havia farmácia, mercado e uma pequena mercearia; a estação do metrô ficava a 15 minutos de distância, uma agradável caminhada em meio à natureza; Bela e Chico eram bastante cuidadosos com a casa, cujo aspecto não denunciava os 40 anos de existência do prédio; e o Kiko, apesar de ser um cachorro enérgico, abrandava a saudade que eu sentia dos meus gatos, que haviam ficado no Brasil.

Firmamos contrato, e a partir dali comecei a elaborar o roteiro dos meus dias. Para chegar ao campus, eu deveria pegar o metrô em Odivelas e descer na estação Cidade Universitária, muito próxima à Faculdade de Letras, onde eram ministradas as aulas do mestrado. Para chegar à Tasca do Careca, meu bar/restaurante favorito da cidade, onde é possível se deliciar com um delicioso caldo de tomate, desceria na estação de Picoas, também na linha amarela, e caminharia 320 metros. Para chegar à Fundação Calouste Gulbenkian, cenário de boa parte das memórias mais bonitas que guardo de quando vivi em Lisboa, desceria na estação Campo Pequeno, também na linha amarela, e caminharia pela ciclovia da Avenida de Berna por 910 metros. Para chegar ao Chiado, bairro que passei a conhecer como a palma da minha mão, faria baldeação: desceria na estação Campo Grande, na linha amarela, e tomaria a linha verde para descer na estação Baixa-Chiado.

Este foi o meu itinerário por nove inesquecíveis meses, antes que a vida me obrigasse a retornar ao Brasil. Passei a reconhecer os funcionários das estações e as pessoas que tomavam o metrô comigo diariamente, além dos cães comunitários que viviam nas escadarias da estação de Odivelas e eram alimentados pela vizinhança. Antes mesmo de me mudar para Lisboa, tinha certeza de que ter o metrô como principal meio de transporte seria um dos grandes prazeres que a cidade me ofereceria, e eu, que até então nunca tinha feito questão de andar na linha, concluí que era apenas questão de encontrar a linha certa.

Sobre o/a autor/a

Rolar para cima