Minha nova profissão

Eu não deveria chegar aqui contando vantagem por recentemente ter me tornado cronista do Plural

Mentira. Deveria sim.

O que eu não deveria, na verdade, era chegar aqui contando vantagem por recentemente ter inventado uma novíssima atividade profissional: sommelier de pinhão. Mas em nome da publicização de ideias pioneiras, cujo conhecimento poderá servir de inspiração a futuros empreendedores, deixo lá fora a modéstia e aqui dentro minhas primeiras e abalizadas impressões, a propósito de iniciação, a respeito da folclórica semente, alimento tanto da mítica gralha-azul quanto do bugio roncador.

Antes, porém, já que estamos a fazer a apologia da publicidade, um pouco de cultura geral.

O pinhão é a semente da pinha. A pinha é o fruto do pinheiro. Pinheiro é o nome popular de uma árvore conífera (tem forma de cone, mas nós preferimos enxergar nele uma taça porque taça lembra vinho, que é europeu, e cone lembra estrada bloqueada, Brasil), também chamada de araucária ou pinheiro-do-Paraná, cuja espécie é cientificamente nomeada Araucaria angustifolia

A angústia de seu nome provavelmente se deve ao fato de as centenas de sementes ficarem muito coladas umas às outras dentro da pinha, apinhadas. E o peso da proximidade excessiva, matriz de sua sociofobia e claustrofobia, faz elas incharem e despencarem, numa queda a um tempo traumática e libertadora, também chamada queda livre.

Por aqui temos “pinheiro” até no vocábulo “curitiba”, contração de palavras de origem guarani cujo significado é “grande quantidade de pinheirais”, embora Curitiba já não tenha tanto pinheiro assim, agora que orgulhosamente suplantou qualquer vestígio indígena e é uma cidade cem por cento europeia, com neve, bulevares, castelos, polenta e uns nazis.

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Finalizado esse nosso breve panorama histórico e cultural, versemos agora sobre o tópico principal, verdadeira razão de todos estarem ainda acompanhando.

Nutricionalmente falando, pinhão é carboidrato puro, praticamente um embutido de amido. A natureza, não obstante, é sábia. E a porção de proteína, tão necessária ao bom equilíbrio nutricional, vem às vezes ali escondidinha, em larval forma, clandestina na semente da araucária. O bicho da goiaba, só que no pinhão.

Gastronomicamente falando (não bastasse a satisfação do sempre desejado balanço nutritivo), essa nossa sulina e apetitosa iguaria, que pode ser apreciada cozida, assada na chapa ou sapecada no sapé, que é um galho seco caído do próprio pinheiro, ou seja, é como comer um ovo preparado no fogo ateado nas penas da galinha, também vê seu tradicional sabor terroso-amadeirado e sua textura farinhenta recebendo o requinte das notas cítrico-avinagradas mais o toque de cremosidade agregados a ele pela albina larvinha, que é uma broca. De modo que o sabor ora é mais salientemente amargo, ora tende para os acordes agridoces, sendo às vezes amargo e doce ao mesmo tempo, mimetizando, assim, a própria vida, ou a rúcula, que será (a rúcula, não a vida) o tema de nosso próximo episódio culinário, geográfico, etimológico, cultural e histórico.

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