Sobre malandros e otários

A técnica é a de um prestidigitador, embora o truque seja tão velho quanto a própria malandragem. Sobre uma mesinha ordinária, diante dos olhos cobiçosos do apostador, o homem move três tampinhas, alternando-as de lugar em movimentos rápidos e circulares. Sob uma delas, há uma pequena esfera de metal. Ao fim desta coreografia, o antagonista deve descobrir qual das peças esconde a bolinha. O negócio é que ele não vai acertar nunca.

Você já deve ter visto por aí: trata-se de um golpe. No meio da movimentação, como num passe de mágica, o vigarista consegue retirar a bola e a esconde entre os dedos. Pronto. A partir de agora, qualquer das opções que o jogador indicar estará vazia. Em seguida – e triunfante –, o golpista levanta uma das tampinhas restantes, deixando cair a esfera, como se ela sempre estive estado ali.

A fraude tem até nome: “golpe das tampinhas”. Quando, na semana passada, vi uma mesa dessas armadas ali em plena Praça Rui Barbosa, no Centro, o que me deixou estupefato não foi a agilidade com que o malandro – um tipo falastrão e risonho – manuseava as peças, nem o fato de a polícia passar indiferente à cena, mas o cúmulo de, ainda hoje, no avançar do século vinte e um, haver quem caia em um embuste deste naipe – e que, convenhamos, é mais manjado do que o MDB se bandeando para o governo após cada eleição, independentemente de quem vença (“Hay gobierno, estoy dentro”).

Quando eu exercia a função que se convencionou chamar de “repórter policial” – aquele que cobre segurança pública, de delegacia em delegacia –, me deparei com uma série de vigarices tão grosseiras quanto essa, das tampinhas. E tome golpe do paco, golpe do bilhete premiado, golpe de envelope vazio… Conforme, à época, me chamou a atenção um delegado, as vítimas tinham um elemento em comum: todas, por seu turno, caíram na trapaça porque esperavam levar algum tipo de vantagem sobre o outro. Quem jogou mais luzes sobre esta relação foi um homem que havia sido preso, acusado de aplicar golpes deste quilate. “Só cai quem quer se dar bem. Então, eu não passo a perna em quem é honesto. A culpa é da ganância ‘dos patos’ [das vítimas]”, justificou, dando de ombros.

Como ainda nos é dado filosofar, tenho, a partir de minhas cismas, feito analogias para tentar entender esses tempos bicudos. No caso em questão, vi similaridades entre a essência da vítima dos golpes e o status atual da “pátria” (cof, cof, cof). É que ambos me parecem estar diretamente relacionados à equação segundo a qual para todo problema complexo há uma saída simplória, aparentemente fácil e – talvez por isso mesmo – sempre equivocada. É o sujeito que se acha esperto e, justamente por isso, o “um-sete-um” lhe passa pra trás. Para meu finado tio Pedro 70, este tipo tinha até nome: malandro-bobo. “É o idiota com excesso de confiança, que age como se estivesse abafando, mas que, no fim das contas, é só um otário. E o malandro só existe porque existe o otário”, dizia.

Em tempos de embustes, se dermos um passo adiante, chegaremos a um dos aforismos do jornalista, poeta e dramaturgo austríaco Karl Kraus. Embora tenha morrido três anos antes do início da Segunda Guerra, K.K. cunhou uma máxima que parece um polaroide da “república” (cof, cof, cof) de hoje: “O segredo do demagogo é se fazer passar por tão estúpido quanto a sua plateia, para que esta imagine ser tão esperta quanto ele”. Não importa se é cortina de fumaça, desvio de foco. Caneta Bic, almoço em bandejão, limpar as lágrimas (cof, cof, cof) na bandeira nacional… Tudo é digno de aplauso à claque ensandecida, ávida por uma “mitada” (quando foi que um meme passou a valer mais que uma tese?).

Voltemos das divagações – e, aqui, pagarei na mesma moeda. Quando comentei com amigos que tinha visto uma quadrilha na Rui Barbosa, aplicando o golpe das tampinhas, perguntei: “Como é que pode? Como as pessoas ainda caem nessa?”. Quem matou a questão e jogou uma pá de cal sobre o causo foi o Leandro, que é sempre direto e rápido no gatilho: “Mano, você está no país que acredita em mamadeira de piroca e que elegeu o capitão”. Tome aqui sua mitada. Fim, taoquei?

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