Quinze minutos de ridículo

Ao fim do jantar, o rapaz se ajoelha solenemente diante da cadeira da moça, como se estivesse prestes a ser ordenado cavaleiro real. De súbito, saca do bolso da calça uma caixinha, que exibe com cerimônia. Por fim, abre o pequeno estojo e, cheio de si, diz algo com ares de extrema importância. Na mesa ao lado, não posso ouvi-lo nem ver as alianças, mas, pelo modo como cena se desenrola, sei que se trata de um pedido de casamento.

A garota permanece ali, petrificada por quatro, cinco segundos, de olhos arregalados, antes de se levantar e sumir do salão do restaurante em desabalada carreira. É como se a fuga deflagrada como último recurso gritasse o “NÃO” que ela não teve coragem de dizer face a face.

A partir daí, o que se assiste é ridículo. Digno de pena, até. O quase noivo custa a se levantar. Faz menção de voltar a se sentar à mesa sobre a qual ainda estão os pratos sujos do jantar, mas desiste. Derrotado, caminha, vacilante, até o balcão onde está o caixa, paga a conta e sai, meio que olhando para os lados, como a conferir a dimensão do vexame.

Entretanto quase ninguém do salão deu pelo episódio, o que emprestou ao ato um tom ainda mais estapafúrdio. Antes decidido e empolado, o jovem agora se ia sem o mínimo de dignidade, como se não soubesse onde enfiar a própria existência.(“A vida não é filme/ Você não entendeu?”).

O que nos fode (perdoem os maus modos) é a ideia que se criou de que cabe aos amantes serem sempre triunfais e perfeitos, como se vivêssemos em uma comédia-romântica, dessas que passam na Sessão da Tarde. O tempo todo se exigem provas de amor e demonstrações máximas, como se essas fossem, em essência, o que mais importa – não o que se vive. Qual tivéssemos uma faca pressionada contra o pescoço, nos vemos obrigados a cantar o amor em verso e prosa – e, de preferência, com o espalhafato de ideias mirabolantes e mil rosas roubadas. Talvez por isso sejamos patéticos. Sem distinção. “Todas as cartas de amor são/ Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem/ Ridículas”.

É inevitável. A gente acaba transportando isso – de ter sempre que ser colossal – para outras esferas da vida. Aí, a verdade vem a tapas. Sexta passada, por exemplo, fui ao bar do Boca. Encontrei-o a uma mesa à porta do botequim, com um amigo que já ia pelas boas, com doses demais nas ideias.

Quando fui apresentado ao ébrio, este me estocou com surpresa e sinceridade: “Porra, mas eu estava te lendo agora há pouco!”, festejou. “Você escreve pra caralho, mas está muito apegado à forma. Isso é uma merda. O ser humano é um retumbante fracasso e este é, justamente, o nosso grande trunfo”, atacou. Concordei no ato. (Para quem não sabe: Deus costuma mandar sua real pela boca dos bêbados. Há que ouvi-los).

Em seguida, eu soube porque o novo amigo se considerava um derrotado supremo: dor de amor. (O que mais haveria de ser?). Vinha naquela fase em que se sente necessidade de manter a ferida exposta reiteradamente, como alternativa para acelerar a cura. A vantagem é que nesta etapa não se tem, mesmo, medo de ser patético, nem senso do próprio ridículo. Entre os mandamentos do bar, constam o direito inalienável à saideira e a obrigação de ouvir compulsoriamente os que têm o coração destroçado. Não à toa, estes recorrem ao boteco: há bom trago e ouvintes – muitos, inclusive, padecentes do mesmo mal. Como sacramenta o samba-canção de Haroldo Barbosa e Bidu Reis,  “Bar, tristonho sindicato/ De sócios da mesma dor/ Bar, que é o refúgio barato/ Dos fracassados do amor”.

Quem nunca passou por isso que abdique da primeira dose. Uns bons anos atrás, uma então namoradinha me convidou para um café no meio da tarde, em pleno horário de expediente. Mandei o bom senso às favas e dei uma fugidinha, ávido por colocar o relacionamento acima de tudo e, assim e às últimas consequências, parecer extraordinário. Cheguei inflado de mim mesmo, saltando nos calcanhares, dando-me mais importância do que realmente tenho (e é sabido que sou uma fraude).

E aqui, senhoras e senhores, veio o contragolpe: ela terminou comigo, rápida, como quem puxa um esparadrapo. Ao sair do estabelecimento atrás dela e deixando o café pela metade (reparem na gravidade do episódio), gritei-lhe, do meio da rua, o único clichê que me veio à cabeça: “Você está cometendo um erro! Vai se arrepender!”. Como a gente é patético! É claro que ela não se arrependeu e deve estar muito melhor sem mim. E eu, sem ela. Não é este o caso. O fato é que ninguém escapa aos seus 15 minutos de ridículo.

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