Mas que chato!

Quando chego ao estabelecimento, o homem rotundo já está escorado ao balcão, com forçada expansividade. Parece estar ali sozinho, mas é daqueles tipos falastrões, que ora se dirige ao garçom, ora a um cliente qualquer, enquanto beberica uma cremosinha de maracujá. Com voz grave e puxando os “esses”, como se emulasse um sotaque que não tem, desata seu falatório aos borbotões em tal volume que todos no salão lhe ouvem – e parecem se incomodar com isso. Faz piadas duvidosas e fala da própria vida qual fosse íntimo de cada um. Da mesa em que aguardo meu virado à paulista, tento desviar a atenção para os quadros da parede que retratam uma Curitiba de outrora, mas o sujeito continua com seu rame-rame ostensivo, agora enumerando para quem quiser ouvir as peripécias profissionais de sua filha no Rio. Foi um vizinho de mesa quem sentenciou: “Putaqueopariu, mas é um chato mesmo!”.

Sim. Não havia dúvidas de que estávamos diante de um exemplar desta nada nobre categoria que se prolifera por todos os lugares, independentemente de classe social, coordenada geográfica, orientação sexual, religião, posicionamento político ou time de futebol (embora haja concentração maior deles entre os “curíntia”). Eles, os chatos. Estes tipos democráticos, nos quais é possível tropeçar a qualquer momento e inadvertidamente, seja no Batel, seja no Boqueirão, seja no Torto, seja num shopping ou numa livraria. Eles são muitos e estão por todos os lugares, quase sempre ocultos por detrás de um ar de insuspeição. É inevitável: cedo ou tarde, a gente acaba topando com um.

Enquanto cortava um naco de bisteca, lembrei-me de Vinicius de Moraes e sua “Teoria dos Tipos Psicológicos da Chatice”, em que o Poetinha catalogou um rol considerável de variedades deste espécime que nos tira do sério. Já topei com alguns deles, como o “Chato-Depois”, definido como aquele que, em princípio parece ser uma boa-praça, mas que nos outros encontros se mostra insuportável. Outros são muito comuns em botecos, como o “Chato-de-Joelho”, que fala apoiando a mão no joelho do interlocutor. Tem, ainda, tipos para todas as ocasiões, como o “Chato-de-Retina” (que conversa grudado na sua retina e não te larga) e o “Chato-que-Faz-Calor” (falador compulsivo e que não sabe que sua compulsividade faz o ouvinte suar em bicas).

Em sua “Teoria dos Tipos Psicológicos da Chatice”, Vinicius de Moraes catalogou um rol considerável de variedades de chatos.

Mesmo com toda sua vivência e sabedoria boêmia, no entanto, Vinicius não esgotou o tema. Existem mais classes de chatos do que possa supor nossa vã filosofia. Todos estamos sujeitos a eles, o que nos credencia, de certa forma, a estender a lista. De minha parte, pude identificar alguns exemplares ao longo da minha enfadonha existência. Um dos mais notáveis é o “Chato-Professoral”, que é aquele que discursa todo empolado, como se estivesse lecionando na academia, quando não faz mais do que dizer obviedades que qualquer vivente está farto de saber. Em regra, é um sujeito que se dá demasiada importância. Dizem que os integrantes deste subgrupo são dados a assombrar mais as mulheres – e já tem até um nome gringo para definir sua chatice, neste caso: mansplaining.

Ainda não batizei a outra modalidade que diagnostiquei, mas você, certamente, já deve ter se batido com um chato desses. Trata-se daquele sujeito afeito a contar vantagem com desgraça. É incrível. Não se pode narrar um dissabor, que ele logo saca uma tragédia exponencialmente maior – como se fosse um grande negócio estar na merda. Você diz algo como: “Rapaz, dormi mal esta noite. Tive dor de cabeça”. Pronto. É a deixa. Logo o chato devolve: “Isso não é nada! Eu tenho enxaqueca crônica e só durmo duas horas por noite. Duas horinhas! E Não é só isso! Pra compensar, tenho que tomar tanto remédio, que fico grogue durante o dia. E te contei que acho que tô com pedra no rim?”. Não, não dá.

O pior deles, entretanto, talvez seja o que chamo de “Chato-em-Primeira-Pessoa”. Está na cara. É o camarada que age como se o universo orbitasse em torno do próprio umbigo e, por isso, conduz a conversa em torno de si. Se a pessoa começar a conjugar demais os verbos em primeira pessoa do singular, pode saber: é um chato. E como tal, nem se dá conta da própria chatice e continua indefinidamente a jogar confete sobre si próprio e monopolizando a prosa. Estou longe de ser psicólogo, mas tenho pra mim que este tipo é formado, em sua maioria, por pessoas inseguras. Vale a tese.

Hoje mesmo, quando voltava pra casa, puxei papo com um rapaz na fila do ônibus. Quando percebi, pimba: tratava-se de um “Chato-em-Primeira-Pessoa”. Conforme o ônibus seguia com a multidão se acotovelando, o cara ia tranquilo, em seu discurso monocórdio que parecia não ter fim: “Eu isso, eu aquilo, eu aquilo outro”. Eu, eu, eu, eu, eu. Passei a respondê-lo apenas com meneios de cabeça, sem sequer ouvi-lo, mas nem isso foi capaz de pôr fim à conversa. Dou, agora, uma dica: quando detectar um chato, o melhor é dar no pé. No meu caso, fiz a única coisa que pude e desci dois pontos antes. Liberto do suplício, respirei fundo, pus os fones e selecionei um samba, que voltei assoviando. De repente, até o mundo parecia mais leve. Tudo fica melhor depois de um chato – e talvez seja justamente essa a função desta casta de impertinentes.

Leia mais crônicas de Felippe Aníbal

https://www.plural.jor.br/sobre-rezas-e-ervas/

https://www.plural.jor.br/a-lista-sem-fim/

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima