A bruxa

Ela só voltava para a casa no finzinho da tarde, quando o sol cuidava de ir-se indo. Trazia os cabelos – muito brancos e curtos – sempre parcialmente escondidos sob o chapéu de palha e de abas largas. Apesar da idade que denotavam as rugas que lhe sulcavam a pele, vinha sempre em passos vigorosos, carregando pelo ombro dois ou três tipos de vassouras e um rodo, e, em uma das mãos, um regador. Era com esses utensílios que passava o dia se dedicando àquele que se tornou seu ofício desde que a conheci: limpar túmulos no cemitério.

Morava na casa à esquerda da minha. Quando as bolas de futebol ou de taco – que, posteriormente, ganhou o nome modernoso de “bets” – caíam no quintal dela, não tinha jeito: ela as confiscava, acabando com a nossa brincadeira. Às vezes, vociferava e nos rogava pragas, ao que saíamos num carreirão. Vez ou outra, ralhava com as meninas que se aventuravam a passar por sua calçada, andando de patins. Por essas rabugices, ganhou o apelido de “Bruxa”. Os moleques mais velhos inventavam uma miríade de histórias. Diziam que ela tinha parte com o diabo – por isso trabalhava no cemitério – e que trazia objetos dos mortos para usar em magia negra. Pouco a pouco, a alcunha pegou. “Olha a Bruxa”. “Lá vai a Bruxa”.

Somente anos depois, eu soube da tragédia que havia por trás da personagem. A vizinha tinha perdido um filho, que se afogou no rio que corta a cidadezinha. Era para ficar perto do túmulo onde o rapaz estava sepultado que havia começado a trabalhar no cemitério.

Mais novo, eu me impressionava com as narrativas. Acreditava, desacreditando, afinal de contas, eu gostava da velhinha. Achava graça quando ela olhava através dos óculos redondos, como os de Lampião, e me perguntava qualquer coisa usando o “vossa”. “Vossa mãe está aí?”. “Essa pipa é vossa?”.  Na novena de fim ano na casa dela, encantavam-me o cheiro de passado e os móveis muito antigos, impecavelmente limpos e lustrosos.  Vá lá… ela tomava nossas bolas, era um tanto ranzinza, mas, puxa vida, não era bruxa. Ainda assim, eu continuava, aqui e ali, chamando-a desta forma: Bruxa.

Somente anos depois, eu soube da tragédia que havia por trás da personagem. A vizinha tinha perdido um filho, que se afogou no rio que corta a cidadezinha. Era para ficar perto do túmulo onde o rapaz estava sepultado que havia começado a trabalhar no cemitério. Talvez a bagunça que os moleques promovíamos na rua a fizesse lembrar do filho. Eu arriscaria dizer que foi a morte o quê a amargurou. Nós, tão meninos, não tínhamos sensibilidade para captar a dor dos outros. Por isso, continuávamos a salpicar pelas maldades sádicas pelos cantos. Bruxa! Que Deus nos perdoe.

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