Salvemos a última flor do lácio!

Dois amigos encontram-se casualmente na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro.

– Estimado e prezado colega!

– Distintíssimo e fraterno amigo. Saudoso estava de sua companhia. Há quantas andam vossos familiares?

– Todos em harmoniosa saúde e, ao saberem deste fortuito encontro, ficarão deveras invejosos da sorte que este dia me apontou.

– Folgo em saber da saúde dos teus e desdenho com veemência que este encontro possa causar qualquer celeuma entre eles contigo.

– Aproveitar-me-ei do encontro convosco para um inquérito pouco comum entre nós.

– Peço-lhe que nunca se esquive de questionar o que quer que se passe pelos teus mais profundos ou brandos pensamentos. Ser teu confidente seleto é algo que carrego com estima.

– Perfeito, pois quero assunar nossos pensamentos na resolução de uma questão assaz complicada.

– Por Deus, homem! Profira de uma vez o que causa tamanho desassossego em vosso coração.

– Peguei-me lendo, no amanhecer do dia, uma postagem de Facebook.

– Seria melhor ler um alfarrábio de doutas castas, se quisesse evitar afetar a bile. Mas prossiga, por favor.

– Nestes escritos uma professora de português – em teoria, pois sabes que sempre há a possibilidade de do verdadeiro autor esconder-se de soslaio, colocando uma enganosa máscara para que o leitor seja melhor seduzido por suas ideias.

– Sim, meu caro. Eu mesmo já acreditei em cada coisa, tal qual um enamorado que entra numa tenda de cigana em busca das profecias do destino.

– Pois esta mestra do nosso vernáculo pátrio proferia que o uso de pronomes ditos neutros, coisa muito desassociada da origem do nosso falar, era um acinte:  a nossa inteligência, a nossa cultura e a nossa língua materna!

– Pois se buscas um tostão dos meus pensamentos…

– Sim, pago-lhe imediatamente pelo compartilhamento de vossos doutos pensamentos.

– A mestra está na plenitude de suas faculdades mentais! Donde já se viu tal demanda de alterar nosso imaculado português nas ondas excessivas dessas modernidades? Não faz muito outrem apontou-me o dedo exigindo que eu mudasse meu vocabulário para referir-se aos móveis de minha própria casa, tergiversando que o vocabulário era dos tempos escravistas.

– Que absurdo! Vossa mercê teria que adquirir um novo vocabulário apenas porque é uma palavra que carrega a mágoa de outrora?

– Não é um disparate?

– Se o é! Se o é!

– Caríssimo, vou-me. Fica a minha saudade, desde já, e a ânsia por novos encontros.

– Digo-lhe o mesmo. Espero encontrar a ti e aos teus na próxima partida de víspora, no clube.

– E não pude deixar de reparar: vossa excelência também não usa máscara!

– Por que haveria de usar se meus antepassados não usavam?

– Ah, mais é uma majestade entre os pândegos!

– Vossa mercê também o é!

– Até mais ver.

– Até.

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