Vertigem

Ainda me lembro da sensação ao ver aquela imagem pela primeira vez. A vertigem que me tomou o estômago ao constatar a materialidade dos fatos. “Tem fotos”, me alertou o interlocutor antes de repassar o celular com a “notícia” que confirmava o acidente.

O uniforme escuro do socorrista, as mãos envolvidas por luvas brancas segurando a máscara de oxigênio sobre o rosto recoberto de sangue. O líquido viscoso, vermelho, por todos os lugares. O corpo dele estirado sobre o asfalto negro.

Sob o torso, a camiseta azul que havia me mostrado no dia anterior – presente da mãe de um amigo. A malha colorida, e as letras brancas tão distintas. No braço esquerdo as pulseiras de semente – irmãs da que se encontra no meu próprio pulso esquerdo. O sentimento de irrealidade que se apossou de mim ao constatar a gravidade do acidente, o horário de chegada que nunca se cumpriu.

No topo do relato do blog da região, os destroços da moto ilustram a manchete sobre o possível acidente fatal na BR376. O site não identifica o piloto acidentado, dado que a família ainda não havia sido formalmente notificada. Diz apenas que o rapaz foi atendido, e que – a caminho do hospital – não havia resistido.

Pela Internet, as imagens se propagam: o corpo estirado no asfalto, a certeza estampada nas manchas de sangue e na camiseta familiar. O magnetismo do horror. Quanta indiferença é necessária para fazer um clique como esse? Quanta distância para colocar em foco os últimos instantes de um filho, um irmão, um namorado? A resposta vem em um nome, indicando os créditos da fotografia. Sigo os rastros do fotógrafo nas redes sociais: cruzo dados, ocupação, região, conteúdos compartilhados até chegar ao homem de meia idade, religioso, que estampa a foto de perfil em uma página no Facebook.

Clico em “Mensagem”, a janela branca se abre em poucos segundos. A barra de texto piscando incessantemente diante da caixa de diálogos – em vão. Que palavras poderiam, afinal, dar conta daquela realidade?

Quase dois anos depois, creio que as imagens continuam todas lá. Vez ou outra, eu também me pego revisitando aquele espanto inicial, essa vertigem que hoje chamo de saudade.

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