Sufoco

É uma quinta-feira de agosto, e o céu noturno exibe tons de cinza nublado e um denso azul marinho. São quase dez da noite quando chego à área externa de um dos bares da Trajano Reis. Depois de uma avalanche de crítica literária feminista, com direito à revisitação de algumas situações pessoais tenebrosas, jantar um dos meus hambúrgueres favoritos da cidade me parece uma recompensa honesta.

A passos largos, cruzo o curto deck de madeira, que termina em três pequenos degraus, chegando ao jardim do que outrora foi uma residência. Os únicos ocupantes do recinto são cinco rapazes. Quando a minha presença se faz visível, ainda no topo da escada, a conversa cessa por um breve segundo. Se viram em uníssono para a entrada do ambiente, me analisando da cabeça aos pés. Posso sentir meu maxilar travando em uma feição circunspecta. Fecho os punhos. A tensão que se forma é evidente: sou – claramente – uma inconveniência. Uma sensação recorrente quando se é uma mulher.

Deixo a hesitação de lado, e retomo minha marcha em direção à mesa disponível mais próxima. O pátio volta a se encher com vozes masculinas. Enquanto deslizo a ponta dos dedos pela tela do celular, entreouço a conversa: abundam termos técnicos e reclamações sobre chefias e a carga horária da área de tecnologia. Conjecturo que esse seja o elo em comum.

O falatório é interrompido por um aviso – alguém menciona que não pode ficar por muito mais tempo, se comprometeu em passar a noite com alguém do gênero aposto. Em meio às sátiras que se seguem, um estado de alerta me toma ao ouvir a frase: “Tô desmamando a minha mina, quer dormir junto todo dia. Só se a gente transar”. Ergo os olhos do aparelho celular e encaro o jovem, barbado de cabelos castanhos, que profere alegremente o restante da frase: “Se meu pau ficar duro, eu vou te comer”, finaliza triunfante. Uma colocação que ignora por completo o conceito de consentimento – claramente um inconveniente.

Meus músculos se contraem, e já sinto o aperto da minha arcada dentária inferior contra os dentes de cima. O grupo dá prosseguimento ao tema, relatando uma série de “proezas” realizadas enquanto as consortes dormem – “Depois acorda engasgando e não sabe por quê”, zomba o barbado, em meio ao riso dos companheiros, sem nenhum constrangimento. Minha garganta fecha. Com o mesmo desembaraço, os amigos se despedem e deixam o bar. Meu coração aperta. As palavras queimam no estômago enquanto os cinco rapazes seguem suas vidas. Nada de novo sob o céu noturno de uma quinta-feira de agosto.

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