Ninguém lê o cartão de segurança

A porta do ônibus anuncia, em três línguas diferentes, que está fechando. É o meio da tarde de uma sexta-feira, mas o embarque no aeroporto de Curitiba está lotado – ouve-se o zum-zum das conversas. O coletivo nos leva do portão até a aeronave. Entre a massa indefinível de homens engravatados, camisas polo e blusas de frio de marca alemã, os assuntos são os mesmos: política, trabalho.

Um dos presentes participa, em trânsito, de uma conferência telefônica – sem fones de ouvido, o volume do aparelho celular é alto o suficiente para que eu escute a discussão perfeitamente. Meu destino está a 425 quilômetros de distância, no interior do estado do Paraná.

O desconforto começa já na sala de embarque: ternos, gravatas, saltos altos, roupas e uma infinidade de objetos pessoais que ostentam logos de marcas caras. Depois são as conversas, e a postura: muitos celulares, nenhum livro. E claro, o apreço sem fim por filas, e permanecer de pé mesmo quando o aviso de afivelar os cintos permanece ligado. Há uma pressa intrínseca em vencer certas distâncias – uma espécie de acordo coletivo, no qual ignorar avisos gerais de segurança e formar filas cria um senso de união, ou faz com que o tempo passe mais rápido.

Entre pés que batem em cadências de ansiedade, e movimentos apressados, uma sensação de não pertencimento geralmente se abate sobre a minha serenidade díspar. Voltar para “casa” é sempre um estranhamento, como uma partida que nunca tem fim. Quando o faço por meio do aeroporto, é como se cada objeto, cada pessoa, cada conversa, me lembrasse dessa falta de encaixe – ou não me deixasse esquecer que eu não deveria estar ali.

Em meio à fila de embarque, uma jovem loira sugere a um casal de amigos que usem seu nome para conseguir regalias em um outro voo: “Fala com ele, diz que é meu amigo, ele sempre consegue coisas”, avisa antes que os três se percam pelas fileiras iniciais dos assentos.

Já embarcados, a comissária anuncia, ao microfone, o apelido do comandante: “Tonhão”. Os risos masculinos ressoam tão alto que interrompem a comunicação. “Esse apelido é só para cama”, declara, enquanto ri, um dos passageiros quando uma integrante da tripulação passa por ele, de olhos arregalados.

De volta à rotina de avisos, a comissária alerta – duas vezes – que colocar dispositivos eletrônicos no modo avião não é suficiente. É preciso desligá-los. Uma orientação à qual poucos passageiros parecem prestar atenção. Na fileira logo à frente, um senhor conversa com uma mulher, que imagino ser sua esposa – ambos sequer levantaram os olhos para a demonstração de segurança. É só durante a última verificação dos comissários que o celular é desligado – não sem antes relutar, e a atendente informar, pela terceira e quarta vez, que o modo avião não é suficiente. “Esse avião que é frescurento”, brinca a moça.

Do outro lado do corredor, dois casais – que acabam de se conhecer –conversam sobre as maravilhas de se viajar para Miami. Trocam experiências. Às favas com a saída de emergência mais próxima, com o assento flutuante. O funcionário do governo do estado, ao meu lado, usa indiscriminadamente o 4G – durante todo o voo, da decolagem ao pouso. Ninguém lê mais o cartão de segurança disponibilizado no bolso do assento à frente.

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