A lapiseira da escuta

Não me recordo de detalhes da primeira vez que o vi: que roupas trajava, ou se fazia frio. Lembro apenas das pequenas ações, e dos sentimentos que me despertaram. Creio que olhei primeiro para os livros – havia um amontado de pessoas de pé, ao redor dele, o homem que gesticulava com um punhado de lapiseiras plásticas nas mãos. Sentado no chão de concreto, a figura central não parava de falar um segundo. Um cão, devidamente encoleirado, estava deitado próximo ao homem. Um jogo de cena bastante incomum para a entrada de uma farmácia 24 horas, mesmo para Curitiba.

Os exemplares estavam espalhados pelo chão, em frente a um carrinho plástico amarelado. Elásticos sustentavam, ainda, penduricalhos como chaveiros ou coisas similares. O que me marcou foram os livros, eu parei por eles. Sempre paro. O homem, até então um completo desconhecido, interrompeu a conversa com seu público – voltou sua cabeça para o meu lado e disse, sorrindo: “Veja! Veja! Leve um livro!”. “Quanto custam?”, arrematei, já tendo interrompido de vez o meu movimento de entrar no estabelecimento.

“O que você quiser”, anunciou – para a minha surpresa. Abandonando completamente a missão que havia levado meus pés até a entrada da farmácia, me voltei para os livros, analisei título por título, entreouvindo a conversa com o restante do grupo. Quando dei por mim, estava eu mesma sentada no concreto, as pernas cruzadas, e as mãos a acariciar a pelagem do vira-lata, chamado Vader. Alberto é de Guarujá, veio a Curitiba sem muita coisa além de muitos sonhos. É cabeleireiro, mas não atua há algum tempo com isso.

O que levou àquele homem a entrada da farmácia 24 horas, ali em plena capital paranaense, foram duas paixões: livros e cachorros. Aceita doações de todos os tipos de leitura, vende os livros pelo valor colaborativo que a pessoa quiser dar. É para cuidar dos cachorros, que são também de todos os tipos: abandonados, atropelados, doentes, filhotes, idosos. A maciez da pelagem de Vader, toda preta, não o deixa mentir. O animal o acompanha com o carinho e a lealdade de quem é, de fato, bem cuidado.

Não levo nenhum livro – nesse dia – já não ando mais com dinheiro nos bolsos. “Escolhe uma lapiseira! Eu insisto! Para todo mundo que para pra me ouvir eu dou uma lapiseira. É uma forma de agradecer pelos ouvidos”, me diz estendendo o amontoado de meia dúzia de ferramentas para escrita. Enquanto procuro a mais sóbria, ele vai me contando: “Comecei a vender os livros com um monte dessas lapiseiras, a cada pessoa que me escuta, vou dando uma – em Curitiba quase ninguém para pra escutar”.

Escolho uma de corpo roxo, com os detalhes em amarelo berrante. Tenho minhas dúvidas quanto ao “Faber-Castell” grafado em branco no objeto, mas isso pouco importa. Embora jamais tenha usado o item, guardo-o junto às minhas canetas e outros itens de valor emocional.

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