A invenção das paisagens

As antigas paragens foram cortadas por caminhões em comboio. Uma árvore tombava a cada vinte segundos e seguia junto.

A vegetação nativa virou monocultura de Pinus clonados, plantados para morrer a cada tanto.

No Vale do Rio Açungui, Joana secou das palavras: pensou que o deserto fosse caminho sem volta.

Pequena como se sentia, foi se ter com coisas grandes. Embaixo de uma palmeira queimada, começou a rezar.

Em sua prece temerosa recordou do que a mãe dizia:

– No fim dos tempos, o mundo se acaba em fogo.

As imagens do apocalipse eram sempre mais trágicas do que a morte a conta gotas de todos os dias.

Toda vez que um Eucalipto tomba, morre-se um pouquinho mais.

São muitos que caem, um a um, pelas bandas do Vale. Já nos acostumamos com o barulho das motosserras, e apesar dos carregamentos diários, há um cheiro que sempre nos acompanha pelas lombas desse nosso lugar.

O eucalipto nasceu para o vento. É diferente do abacateiro ou da Imbuia, das árvores fincadas no chão, com os frutos todos caídos em volta. Eucalipto corre longe, vai sempre com as folhas. Se não dá fruto, se espalha generoso, e assim, todas as coisas cumprem seu gosto de existir.

Ao contrário das pedras que rolavam soltas quando o mundo era revolto, os morros cresceram lento, foram se dando na medida em que a terra arrefecia de tanto queimar. Quando a terra madurou, surgiu nosso vale, e para onde quer que eu olhe, tudo se estende mais além.

Desconfio, no entanto, que é pelas pequenas coisas que o fim se anuncia. Isto aqui era braço de rio. Quando dei por mim, secou.

Os pássaros também foram envenenados. Primeiro caíram aos poucos, depois centenas deles. Quando os pássaros deixam de existir, só resta a desorientação.

Minha mãe me disse que o mundo se acabaria em fogo. Mas na verdade, tudo começa com uma nascente seca.

Se as coisas encontrassem seu fim no deserto, talvez não houvesse muito o que contar. Às vezes as palavras também secam, mas nesse caso é preciso teimar na insistência:

O deserto não terá a última palavra.

E assim regresso à fonte, lá onde dão os olhos tão logo eles se abrem:

Pelos caminhos por onde ando e daqueles que recordo. Nos limites de onde penso e até a vista alcança, tudo que se apresenta é paisagem.

Sobre o/a autor/a

Rolar para cima