Ideias Sociais 01 – Agroecologia para matar a fome do mundo

No litoral paranaense, fazenda gerida por famílias de camponeses experimentam, com sucesso, modelo cooperativo de produção de alimentos aliado à preservação ambiental É como um sonho: viver em uma comunidade tranquila e sem violência, em meio a uma paisagem natural […]

No litoral paranaense, fazenda gerida por famílias de camponeses experimentam, com sucesso, modelo cooperativo de produção de alimentos aliado à preservação ambiental

Vista aérea de uma parte da vila agroflorestal José Lutzemberger, onde espécies comestíveis se misturam com árvores e plantas nativas da região. Foto:Rodrigo Motooka/Social Ideias

É como um sonho: viver em uma comunidade tranquila e sem violência, em meio a uma paisagem natural de tirar o fôlego, produzindo seu próprio alimento orgânico e ainda gerando renda de forma colaborativa. Parece irreal para os cidadãos urbanos. Mas para as famílias da fazenda São Rafael, no litoral do Paraná, é uma realidade.

Não foi fácil conquistar o sonho. Quando chegaram à área – um terreno de cerca de 220 hectares na Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba – o local era impróprio para qualquer plantio. “A terra estava totalmente degradada pela criação de búfalos. O solo estava compactado por causa do peso dos animais, então ficava encharcado. Nos primeiros anos, foi impossível plantar alguma coisa”, conta Juonas Souza, coordenador da vila agroflorestal José Lutzemberger, que ocupa a fazenda desde 2004.

Ele conta, ainda, que a alta quantidade de agrotóxicos utilizada na região tornou a terra menos fértil, e havia uma visível degradação ambiental. “A mata ciliar foi destruída, os peixes sumiram”, lembra Souza.

Fazenda São Rafael antes da ocupação: muito pasto, desmatamento, degradação ambiental e rios mortos. Foto:Rodrigo Motooka/Social Ideias

O mesmo local atualmente, após mais de 10 anos de trabalho dos camponeses na recuperação da área: os rios agora têm até peixes novamente. Foto:Rodrigo Motooka/Social Ideias

O modelo adotado pelos camponeses para gerir a área é de virar de cabeça para baixo qualquer empresário de Massachusetts. Ao invés de plantar para vender – lógica mais comum do mercado – o objetivo inicial foi garantir às 20 famílias então acampadas que tivessem sua própria subsistência, que pudessem se sustentar e que não precisassem depender de ninguém para sobreviver. 

Funcionou. Aliás, tão bem que a produção começou a ter excedentes. Aí eles começaram a vender? Sim e não. Eles comercializaram, mas não para qualquer cliente. As mais de 200 espécies de frutas, verduras e legumes, sem agrotóxicos ou fertilizantes químicos, viraram merenda para escolas municipais e estaduais de Antonina, Morretes, Matinhos e Pontal, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Quando fala sobre as escolas, Juonas Souza fica emocionado. “As crianças antes comiam produtos totalmente industrializados. Agora têm acesso a coisas boas, produzidas na sua região, sem veneno”. 

Juonas Souza, coordenador da fazenda, foi um dos responsáveis pelo projeto que fez um resgate histórico da agricultura adotada pelos povos nativos da região: caiçaras, indígenas e quilombolas. Foto:Rodrigo Motooka/Social Ideias

Ele destaca também a importância do modelo para a autonomia dos agricultores e agricultoras que vivem e produzem no sistema agroflorestal. “O camponês aqui é independente do mercado ou de empresas que controlam a adubação”, ressalta. 

O alimento excedente das merendas escolares – aí sim – é comercializado em feiras orgânicas e agroecológicas direto para o consumidor, sem atravessadores, o que permite praticar um preço muito mais acessível do que aquele encontrado em setores de orgânicos nos supermercados convencionais.

A escolha pelo sistema de agrofloresta não foi à toa. Essa técnica alia a produção de alimentos com a recuperação e preservação ambiental, e junta conhecimentos tradicionais com novas tecnologias. Juonas conta que, para aprender e aperfeiçoar a técnica, foi feito um resgate histórico da agricultura camponesa adotada pelos povos nativos da região: caiçaras, indígenas e quilombolas. Muitas das famílias que vivem ali já pertenciam à área, o que facilitou a troca de conhecimentos. 

Juonas nos apresenta uma pequena parte da produção. Um amador acharia que se trata de apenas uma exuberante floresta – até olhar mais de perto e encontrar as inúmeras frutas e verduras escondidas entre as árvores.  Foto:Rodrigo Motooka/Social Ideias

O fato de plantar para comer faz com que uma grande variedade de espécies seja cultivada por cada família, o que, automaticamente, contribui para a biodiversidade. Ele conta que “só de banana tem umas 15 variedades”. Além disso, junto com as plantas alimentícias, também são plantadas árvores e outras espécies não comestíveis, com o objetivo de povoar a região de plantas nativas. 

A organização financeira do grupo é de dar inveja. A comercialização dos produtos é feita de forma cooperada, através da Associação que ganhou o nome Filhos da Terra. Funciona assim: as terras são comunitárias, mas cada família tem seu pedaço para plantar e fornece quantidades (mais ou menos) iguais de produtos para venda. Uma parte do dinheiro arrecadado custeia as despesas, como transporte, embalagens e outras. O restante é repassado para as famílias de forma igualitária. 

“Às vezes uma família não tem um produto, outra tem, depende da colheita de cada um, e assim uma vai compensando a outra”, conta Juonas. Dessa forma, não há conflitos. 

À beira do rio – agora recuperado – um agricultor descansa e ouve os pássaros. A qualidade de vida das famílias que vivem no acampamento é invejável. Foto:Vir Moraes Ramos/Social Ideias

Essa organização se reflete no estilo de vida dos agricultores. As casas não possuem cercas ou portões, os jardins se fundem e o respeito mútuo é o que dita onde termina o espaço de uma residência e onde começa o do vizinho. As crianças brincam pela área sem preocupações, e os moradores dividem o espaço com animais, pássaros e até espécies em extinção que sempre dão as caras por lá – como explica Juonas, acaba sobrando muito alimento para eles também. 

Hoje a região está recuperada e a comunidade até recebeu um prêmio pela preservação ambiental, reconhecida internacionalmente. Mais uma prova que podemos e devemos pensar em novas formas de vida e de negócios, e que ideias sociais trazem resultados muito mais lucrativos: por exemplo, uma forma limpa, soberana e simples de matar a fome do mundo.

Uma das casas da comunidade. A simplicidade é a escolha natural para quem não precisa se preocupar com fome, violência ou bater o ponto na empresa. Foto:Vir Moraes Ramos/Social Ideias

 

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