Crianças precisam de limites?

O limite é um lugar que assegura o crescimento, se agiganta com o envolvimento e amplia os horizontes do desenvolvimento.

Um limite é uma marca que representa a negociação entre o que é aceitável e o que não é aceitável na relação entre as pessoas. Essa marca foi, durante muito tempo, bastante rígida; por essa razão, atualmente, quando se convida a pensar sobre limites, a primeira ideia que salta à mente é de castigo, ou seja, de que o próprio limite já passou dos limites.

Com frequência se ouve que são as crianças que precisam deles, mas será? Crianças precisam de cuidados. Crianças precisam de atenção, proteção. Crianças precisam de adultos dispostos a amar, sonhar, construir e compartilhar aprendizagens, a educar de modo a informar os limites, não para reprimir, mas para encorajar.

Encorajar é uma ação bastante educativa; quem encoraja ensina ao outro a responsabilizar-se. Quem encoraja autoriza o outro a se comprometer, a assumir os riscos, a desafiar-se, ousar. Limites precisam estar claros, bem visíveis para que sejamos encorajados, a conhecer até onde podemos ir com tranqüilidade e a partir de onde se torna arriscado ir sozinho, mas não como uma marca que impede de caminhar, de experimentar, pois ao longo do tempo é necessário ultrapassar esses limites para crescer.

Ora, se crescemos, os limites também devem se alargar, senão envelhecem, enfraquecem ou enrijecem, portanto, um bom limite é o limite que é frequentemente combinado, acordado, reavaliado, revisto, reformulado. É aquele em que, a todo instante revela o quê um espera, quer e aceita do outro. São os limites que estabelecemos nas relações que nos fazem melhor, nos tornam assim, mais gente, pois ampliam a forma de compreender e ser compreendido pelo outro e pelo mundo.

Pode-se pensar e compreender limites, observando, por exemplo, o trânsito. A algum tempo, não havia radares nas ruas da cidade, mas havia o limite permitido de velocidade. O limite era claro, todos sabiam. No entanto, eram poucos os que o respeitavam, fácil perceber então que saber o limite não capacita ninguém a respeitá-lo.

No trânsito, foi preciso acrescentar multas e radares. Alguns, em função desses valores, aprenderam os limites, mas ainda assim, outros tantos continuavam não respeitando-o. Criaram então as faixas, pintadas nas ruas, cuja função é informar que ali, logo em breve, haverá o radar, o limite, por certo que há os que não respeitam, assim como, há as negociações feitas para justificar os motivos pelo qual os limites são ultrapassados. No entanto, essa medida tornou-se bastante educativa, pois muitos passaram ao perceber onde estava o limite, aprenderam que limite é algo que envolve a atenção, passaram então, a andar com cuidado.

Com essa analogia é possível aprender que estabelecer um limite exige tempo, informação, uma sanção (caso a regra não seja cumprida) e, ainda, aceitar que a regra não será cumprida, ou seja que o limite não pode excluir a possibilidade de negociação. E, aí vai outra analogia, em geografia aprendemos que entre os territórios há os limites e as fronteiras.

Limites marcam a soberania de cada território, já as fronteiras anunciam o espaço onde é possível aceitar e estabelecer acordos.

Nas relações com as crianças é preciso também marcar os limites e anunciar as fronteiras, para que se possam construir as mais ricas aprendizagens. Vejamos: quando a criança chega em casa dizendo: “mas o meu amiguinho pode”, ela está sinalizando que já se sente crescida e, portanto, que também pode; ou que a regra (o limite) é dotado de grande rigidez; ou ainda, pedindo que a ajude a entender as diferenças culturais, sociais, morais entre as pessoas e como elas, assim tão diferentes, podem conviver.

Quando se estabelece um relação de ajuda, de ensino e aprendizagem, de modo que esta criança compreenda esta situação, está se capacitando, em primeiro lugar a validar a autoridade, reconhecendo que essa posição é assumida por aqueles que tem o compromisso de cuidar dela e que por isso vão ter o direito de fazer escolhas. Em segundo lugar, que essa criança não precisa fazer, imitar, aceitar, tudo o que os outros dizem ou fazem e, que isso não compromete a amizade entre elas. E, em terceiro lugar, mas não menos importante, está oportunizando que esta criança perceba que embora os limites estejam marcados, eles são passíveis de negociação por meio de acordos, diálogos, acertos e combinados.

Crianças tendem a exigir dos adultos referências, exigir que lhes mostrem: o como, o quê, o quando, o onde, o porque e o para quê, servem as coisas, os conhecimentos, as situações, as idéias, as emoções, com isso é que vão, por meio da imitação e da repetição, aprendendo a se socializar, a memorizar e a contextualizar.

Adultos tendem a encarar, sem paciência e sem o hábito de olhar com atenção, como falta de limites, rebeldia, birra e hiperatividade, as ações investigavas, curiosas e absolutamente ativas, cheias de energia e vivacidade, feitas pelas crianças.

Adultos e crianças precisam de limites! Com isso se observa que, em se tratando de limites, todos precisam, não apenas os filhos dos outros, e vale dizer: não adianta querer educar o filho do outro, tão pouco educar uma pessoa comparando com a outra, porque os limites que servem para um, muitas vezes não se encaixam num modelo para o outro tão pouco são para todas situações, vale a máxima: “cada caso é um caso”!

Os limites também estão nas relações entre as escolas e as famílias, para que estas se configurem como co-responsáveis pela educação da criança. É necessário estabelecer uma relação de confiança, de camaradagem, onde o território de cada uma é conhecido e respeitado, para isso, ambas precisam informar, participar e colaborar, apontando situações onde possam pensar juntas e assim, construir uma comunidade educativa.

Neste sentido, a escola não pode julgar, excluir, menosprezar, tão pouco privilegiar apenas uma minoria ou maioria, em função de uma situação. A escola deve promover o encontro, possibilitar e sistematizar que, por meio de cada situação, sejam gestadas novas e significativas aprendizagens. Por exemplo, conheço uma diretora que chamou uma criança de 4 anos que vivia “fugindo” da sala porque queria brincar no pátio, para conversarem. Junto com esta criança estabeleceu um acordo, fizeram um contrato. A diretora, respeitou o tempo, as necessidades e vontades da criança, mas não se ocultou de seu papel, determinando um tempo e ensinando a criança, a mim e a todos que souberam da história, que colocar um limite não é dizer até onde se pode ir, mas ir junto, é respeitar, acompanhar, entrar em acordo!

Por outro lado, as famílias devem saber sobre a escola, ficar atenta as informações. Conheço famílias que participam, que se envolvem e que multiplicam aprendizagens além de fazerem amigos na escola, mas também conheço famílias que ao invés de fortalecer o vínculo de confiança e aprendizagem, preferem não participar de nada que a escola faz ou pede, bem como criam alianças negativas, ficando de conversas com outras famílias, nas calçadas e portões da escola, nas festas, etc., o quê, ao invés de resolver e entrar em acordo, acabam por criar um clima hostil, ansioso e negativo que muito dificulta a construção de aprendizagens, além de afastar uns dos outros.

Cada família tem seu jeito de ensinar e aprender, assim como cada escola, mas quando ambas assumem e assinam o contrato de matrícula, elas estão se responsabilizando pela tarefa de educar uns aos outros, de crescerem juntos e de encorajar as crianças a crescer, superar limites e enfrentar barreiras, superar obstáculos, em busca de construir aprendizagens, porque aprender é para experimentar as possibilidades, inclusive de ser feliz!

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