Como transformar a escola num espaço de aprendizagem criativo?

Deyse Campos relata como a criatividade se faz presente no processo de aprendizagem vivida no espaço escolar

A palavra “criatividade” é tão atraente quanto as palavras “amor”, “liberdade”, “autorrealização”. Criatividade é uma maneira de ser, de viver. Na escola, o processo de aprendizagem configura-se pela excelência humana e acadêmica. Neste sentido, a esfera escolar é um espaço em que faz-se necessário que a criatividade reine, porque presume-se criação, elaboração, produção, confecção, imaginação e boas doses de amor, liberdade e paixão. Um lugar aberto, de vida, que gera prazer e expectativas de prazer, que o saber é gestado, cuidado e enriquecido.

A criatividade se faz presente no processo de aprendizagem vivida no espaço escolar quando investe em relações, possibilita compreensão, oportuniza encontros, considera as escolhas, aceita os erros transformando-os em acertos e promove união. Professores e alunos são criativos quando ao pensar, articulam a realidade da sala de aula com a realidade do mundo, com o contexto sociocultural, com a utopia e com a individualidade do ser humano.

O ser humano, ser relacional por definição, estabelece vínculos significativos entre realidades aparentemente distantes. Encontrando afinidades íntimas entre coisas e pessoas, recria a realidade. Recriar a realidade consiste em operar novos modos de unidade em diferentes planos da existência.

Segundo Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), no livro Cidadela (editora Nova Fronteira), “liberta o homem, e ele criará”. Escola e criatividade estão sempre marcadas pela aventura de conhecer e apaixonar-se pelo mundo de tal modo a atuar, criar e recriar sobre ele com todo seu potencial cognitivo, afetivo, motor e relacional revelando sua responsabilidade e compromisso com seu pensar, sentir e fazer.

A escola trabalha com noções de competição e resultado. Como manter a criatividade e a alegria neste ambiente?

A escola é um ambiente educativo quando integra noções antes de excluir. Crédito da foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Competição, resultado e métodos fazem parte da escola como também nela estão presentes: alegria, amor, poesia e criação. A escola é um ambiente educativo quando integra noções antes de excluir ou torná-los pólos extremos que nunca se encontram nem se complementam.

Competir, por exemplo, associa-se ao lúdico. Competir é um verbo que significa essencialmente participar em conjunto com outras pessoas e está indissoluvelmente associado com a capacidade de relacionar-se de modo agradável, amistoso, cooperativo e prazeroso.

É desse verbo que vem o substantivo competência e o adjetivo competente, ambos termos muito queridos e respeitados no vocabulário das virtudes humanas. Participar, jogar e brincar são atividades tão fundamentais da vida humana que os gregos cunharam a expressão: “O importante é competir”.

Uma confusão de abordagem tem tornado a ação de competir sinônima, na prática, do verbo concorrer, que segundo o dicionário Houaiss significa essencialmente encontrar-se em oposição a alguém, disputar.

E assim as pessoas passaram a criticar de forma contundente o verbo competir e as escolas desenvolveram teorias e justificativas para jogar sem competir, para trabalhar a igualdade sem explorar a diversidade. O que se observa atualmente, dentro e fora da escola, é um esvaziamento de sorrisos, assobios, alegrias, aprendizagens partilhadas e solidariedade.

A escola que prioriza a paixão de descobrir o mundo, alia teoria com prática, vive a alegria, desperta curiosidades… compete e é competente, por isso constrói cidadãos capazes de competir porque participam com uma atitude amorosa de transformar o mundo num lugar mais justo, mais fraterno, mais humano.

O anseio dos pais por resultados objetivos (“aprender para passar no vestibular”) impede um trabalho mais lúdico nas escolas?

Para muitos pais, a escola deve se preocupar em formar estudante para passar no vestibular.
Crédito da foto: Ricardo Almeida/SMCS

A ansiedade é como se tivéssemos um relógio dentro de nós que avisa o tempo todo que faltam sempre 5 minutos para algo, seja lá o que esse algo possa ser. Esse sentimento provoca uma pressa que nos impossibilita o pensar e nos obriga a dar passos rumo a um futuro que, pode ser, não aconteça.

Pais querem o melhor para seus filhos, e para eles o querer muito às vezes confunde-se com o querer somente! Querem que seu filho aprenda, que seja feliz, e isso na sociedade atual é sinônimo de alguém com uma carreira bem-sucedida, por essa razão valorizam os resultados sem olhar para o processo. Essa busca desenfreada pelo resultado leva alguns pais exigirem atitudes da escola.

Houve um tempo em que a escola tinha os pais como clientes da instituição. E como tal, eles tinham o direito e dever de cobrar e exigir determinadas posturas que julgavam necessárias para seus filhos.

Pais, numa relação de mercado, de consumo, opinavam sobre o conteúdo, a postura do professor, sem saber a filosofia, o currículo e o contexto da escola. Faziam questão de um trabalho em função do sucesso no vestibular, por exemplo, ou ainda, exigiam um cuidado redobrado e exclusivo para com seu rebento.

A escola obviamente, não soube lidar com estas expectativas porque passou a ser lugar de atendimento dos filhos de seus clientes em vez de ser um espaço aprendiz, que acolhe alunos com o compromisso de formar cidadãos criativos e críticos, com vistas a abrir um espaço para que esses aprendizes construam novos conhecimentos, dividam seus universos pessoais e ampliem seus ângulos de visão, assim como aprendam a respeitar outras culturas, misturar o mundo do conhecimento, objetivo, com o mundo dos sentimentos, das emoções.

A escola conhecedora de seu papel, comprometida de verdade com sua tarefa, antes de obter lucros e resultados, não pode confluir com esta atitude, por esta razão atualmente, as relações entre família e escola passam por uma reformulação. Pais não são mais vistos como clientes e sim como parceiros de uma construção cultural, social, moral e política de um mundo melhor. E a escola não é mais a detentora do conhecimento, que tudo sabe e tudo pode.

É notável perceber que a história faz e se refaz. Por esta razão, a história da escola e das famílias produz, neste tempo, um novo diálogo: este de trazer pais querendo construir com seus filhos e com a comunidade um saber que seja diverso, alegre, lúdico, crítico, subjetivo, objetivo, com os braços abertos para comunicar seus quereres ao mundo e juntos, todos responsáveis, fazer parte deste universo unindo versos: vestibular e brincar, aprender e fazer, conhecer e experimentar, crer e criar, pensar e sonhar.

Fazer um trabalho que tem um olhar voltado para o vestibular não exclui um trabalho com o pensar criativo e reflexivo. Antes o amplia.

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