O conto do ILS Cat 3 do Afonso Pena

123 Milhas pode ser multada em até multada em até 12 milhões de reais. (Foto: Unsplash)
O sistema que acabaria com os cancelamentos de voos por causa do nevoeiro

Existe uma aura em torno do aeroporto Afonso Pena. E isso vale tanto no sentido literal como no figurado. No primeiro, essa aura responde fisicamente por nevoeiro ou cerração, um fenômeno meteorológico que reduz drasticamente a visibilidade. E esse nevoeiro já gerou um símbolo da cidade, quase um orgulho — como se fosse algo bom —, que é a tendência de prejudicar os pousos no aeroporto que, sabemos, fica em São José dos Pinhais, não em Curitiba.

Quantas vezes não ouvimos e vimos no rádio e na televisão ou lemos nos jornais que o Afonso Pena fechou? Ou que não havia teto para o pouso? Ou que vários voos foram cancelados por causa do nevoeiro? Ou que o aeroporto precisava urgentemente de um tal ILS Cat 3?

E veja que interessante. Você, curitibano, pode até não ser especialista em aviação, mas possivelmente tem um conhecimento razoável sobre o assunto, afinal não é qualquer um que já ouviu falar ou mesmo que sabe o que é o ILS, a sigla em inglês para Instrument Landing System, ou Sistema de Pouso por Instrumento.

Por muito tempo essa sigla ficou batendo na cabeça dos curitibanos. Só ela seria capaz de acabar com o fechamento do Afonso Pena. Mas tinha que ser o ILS Cat 3, que permitiria pousos praticamente sem visibilidade e teto super baixo. Um espetáculo tecnológico e muito superior ao que estava instalado, o ILS Cat 1, que pouco ajudava contra o fechamento do aeroporto.

Teve até campanha de empresários e de veículos de comunicação pedindo a instalação desse equipamento para resolver definitivamente a questão. O griteiro foi enorme, lembro bem.

Esse barulho, acho eu, começou na década de 1990. E no Brasil, sabemos, nem tudo ocorre na velocidade que deveria. Mas em 2002, a Infraero, então administradora do aeroporto, encontrou uma solução intermediária: o ILS Cat 2. Melhor que o 1, mas pior e mais barato que o 3.

A situação melhorou bastante, é fato. Menos atrasos, menos cancelamentos. Mas ainda faltava algo a mais para garantir a operação plena do aeroporto. E foi em 2012 que a Infraero adquiriu os equipamentos do ILS Cat 3, que acabariam de vez com os problemas meteorológicos do Afonso Pena. Engano.

Apesar de chegar a ser instalado, demorou muito tempo para estar disponível, aguardando a homologação por parte da Força Aérea Brasileira (FAB). As cartas aeronáuticas estavam prontas, indicando a existência do ILS Cat 3, mas um asterisco gigante no sistema de avisos da FAB deixava claro que não poderia ser utilizado.

Em algum momento, o ILS Cat 3 chegou a estar apto para uso, só que não houve qualquer mudança em relação aos cancelamentos. Tudo continuou igual a antes. E a explicação é simples. Para pousar com o ILS Cat 3, os aviões e as tripulações precisam estar homologadas. E isso custa uma grana significativa e que pouco valeria a pena para as companhias aéreas. Melhor lidar com alguns cancelamentos do que colocar centenas de pilotos e aeronaves em processo de homologação.

O ILS Cat 3 foi usado em raríssimas ocasiões, como em uma campanha de treinamento de pilotos e do avião Airbus A330neo da Azul em 2020. Mas só para isso mesmo, para homologar pilotos e um avião que não operaria no Afonso Pena, e sim em voos internacionais da companhia, para os Estados Unidos e Portugal.

E hoje, não há nenhuma carta de aproximação ativa no Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) prevendo procedimento algum com o ILS Cat 3. É como se ele tivesse ido embora sem nunca ter vindo de fato. “Saudades do que a gente não viveu ainda”, roubando a frase do poeta Neymar.

Não está claro se em algum momento ele será reativado. Possivelmente não, pois o aeroporto Afonso Pena, sabe-se, agora é administrado pela CCR Aeroportos e assim seguirá pelos próximos 30 anos. E existe o projeto da nova pista, a tão alardeada terceira pista, e não há previsão de instalação do ILS Cat 3. Só o Cat 2 mesmo, que é o utilizado atualmente na pista principal.

O certo é que o barulho todo que foi feito em torno do ILS Cat 3 foi só barulho. E um barulho daqueles meio sem sentido. Um barulho que se silenciou rapidamente diante da realidade. E assim vamos seguir, com o inverno, o nevoeiro e o aeroporto que não dá teto.

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