A celeuma do despacho de bagagem

O retorno da gratuidade para despachar malas é um retrocesso e dá a justificativa perfeita para as companhias aéreas seguirem aumentando o preço das passagens

Quando a cobrança pelo despacho de bagagens no Brasil começou a valer em 2017 houve uma certa algazarra. As companhias aéreas comemoram e chegaram a garantir que o preço da passagem aérea cairia. Os passageiros, por outro lado, chiaram, afinal não estavam acostumados com isso por aqui, e ficaram desconfiados sobre a promessa das empresas de redução da tarifa.

Como geralmente ocorre no Brasil, quem sai perdendo é o consumidor, ou seja, o passageiro. E dessa vez nem foi pela cobrança do despacho de bagagem em si, mas pelo fato de que o preço da passagem não caiu como alardearam as companhias aéreas. Segundo elas, não foi possível reduzir a tarifa porque os custos no período subiram com a crise no país — foi logo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff — e com o aumento do dólar, e era necessário cobrir esses prejuízos.

A mesma justificativa de sempre. E que está sempre pronta para ser usada. Veio a pandemia, e a justificativa serve. A Guerra da Ucrânia veio, e novamente essa justificativa. É uma crise atrás da outra e sempre a mesma justificativa. O certo é que a economia brasileira não é confiável e sempre estaremos em um cenário em que essa justificativa vai se encaixar.

Sei muito bem que a aviação comercial é um setor extremamente complexo. No Brasil ainda mais. Temos diversas questões que encarecem essa indústria, especialmente porque é afetada diretamente pelo câmbio e pelo preço do barril de petróleo. Cerca de metade dos custos das aéreas locais são afetados pelo dólar.

Mas desde então, o setor aéreo brasileiro teve alguns avanços nas demandas econômicas.

Até 2019, a participação estrangeira nas companhias aéreas nacionais não poderia ultrapassar 20%. Uma mudança na legislação aumentou esse limite para 100%, o que permitiu uma entrada maior de recursos. Essa era uma demanda antiga do setor.

O ICMS sobre o querosene de aviação, se não caiu uniformemente nos estados, foi reduzido após acordos específicos. No Paraná, por exemplo, as empresas são beneficiadas com a redução da alíquota ao passo que aumentam as rotas e destinos no estado, o que vem ocorrendo há anos.

A própria possibilidade de cobrar pelo despacho de bagagens era um pedido antigo, bem como a cobrança pela marcação de assentos. Isso era há muito tempo esperado pelo setor para alinhar o Brasil à realidade internacional — as low costs europeias, como a Ryanair e Easyjet, só existem por causa disso.

A infraestrutura aeroportuária também melhorou de 2017 para cá, após a concessão de dezenas de terminais em todo o Brasil. Mais recentemente, o governo zerou o imposto sobre o leasing dos aviões, o que é uma baita economia para as companhias aéreas.

Tudo isso para chegarmos à Medida Provisória 1.089/21, também conhecida como MP do Voo Simples, e que responde a algumas demandas do setor aéreo. A questão é que a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda a essa MP que retoma a gratuidade do despacho de bagagens — ainda falta a votação no Senado.

Ao mesmo tempo que o setor ganhou, também perdeu. E a volta da gratuidade é um retrocesso, vide que o mundo inteiro vai por outro caminho. E foi isso que permitiu com que companhias aéreas low costs começassem a voar para o Brasil, como a Sky, a JetSmart e a Flybondi. E é o que pode atrair novas empresas a operarem aqui, inclusive no mercado doméstico. Sem a cobrança de bagagens, não há modelo low cost que se sustente.

O que é preciso ser feito é continuar reduzindo o custo Brasil sobre o setor para que não acabe sobrando, como sempre, para o passageiro. E vale uma participação mais ativa do governo na redução de impostos como PIS/Cofins e também uma reforma tributária que dê mais previsibilidade em relação às alíquotas de ICMS sobre o querosene de aviação. De pouco em pouco, é possível tornar o Brasil um terreno mais interessante para as companhias aéreas.

E mesmo com várias demandas do setor sendo atendidas, claramente as companhias aéreas não devem repassar esses avanços ao passageiro. Afinal, sabemos que se a passagem não caiu a partir da cobrança de despacho de bagagens, agora é que não vai cair mesmo. Aliás, é certo que ela vai subir. E voar, ao contrário do que deveria ocorrer, vai continuar sendo uma realidade para uma parcela da população. Quem não voou até agora, vai precisar esperar muito ainda. Infelizmente.

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