Carolina, Gilka e Júlia: a história de todas nós

Mulheres tiveram que esconder seus manuscritos, esperar anos para serem publicadas ou enfrentar uma sociedade que lhes dizia que a literatura não era seu lugar

Na próxima segunda (8), será o Dia Internacional da Mulher. Um dia de luta e de resistência, e não necessariamente de homenagem, como a mídia tradicional e o comércio insistem em mostrar. Infelizmente, ainda é preciso ressaltar a importância da data como um momento de reflexão sobre a necessidade de exigir igualdade de gênero.

Na literatura, não foi diferente. Várias escritoras tiveram que esconder seus manuscritos, esperar anos para serem publicadas ou enfrentar uma sociedade que lhes dizia que a literatura não era seu lugar. Destaco três histórias incríveis para lembrar sempre que lugar de mulher é onde ela quiser: Carolina Maria de Jesus, Gilka Machado e Júlia Lopes de Almeida.

Carolina Maria de Jesus

Devemos imensa admiração e respeito a Carolina Maria de Jesus. Carolina publicou, em 1960, “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, livro que começou a escrever cinco anos antes. Apesar de ter nascido na cidade de Sacramento, em Minas Gerais, viveu a maior parte de sua vida na favela do Canindé, na zona norte de São Paulo. Lá, construiu sua casa com lata, papelão e outros materiais que encontrava como catadora.

Os relatos do livro são ácidos, sofridos e intensamente reais. Além da vida na favela, já impactante por si, ainda há nas palavras o sofrimento de uma mulher negra e sozinha, chefiando uma casa com três filhos. Não há como não se emocionar ao ler a obra de Carolina Maria de Jesus, cuja vida inspirou cinco biografias e um documentário alemão, intitulado “Favela: a vida na pobreza”, protagonizado pela própria escritora.

O trecho destacado é de “Quarto de despejo”:

Carolina de Jesus. Crédito da foto: reprodução.

“De manhã eu estou sempre nervosa. Com medo de não arranjar dinheiro para comprar o que comer. Mas hoje é segunda-feira e tem muito papel na rua. (…) O senhor Manuel apareceu dizendo que quer casar-se comigo. Mas eu não quero porque já estou na maturidade. E depois, um homem não há de gostar de uma mulher que não pode passar sem ler. E que levanta para escrever. E que deita com lápis e papel debaixo do travesseiro. Por isso é que eu prefiro viver só para o meu ideal.”

Júlia Lopes de Almeida

A romancista e contista carioca Júlia Lopes de Almeida, nascida em 1862, tinha um grande talento para histórias de terror. Júlia tem em sua biografia o fato de ter sido extremamente ativa na fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, mas proibida de integrá-la, já que mulheres não eram aceitas na instituição.

A cadeira número 3 acabou indo para seu marido. Só 80 anos depois a ABL teria em suas cadeiras a primeira mulher – Rachel de Queiroz.

A escritora Júlia Lopes de Almeida. (Foto: Reprodução)

Na obra de Julia há muitos contos de terror – gênero no qual se destacou. O início do conto “Os Porcos” mostra seu imenso talento para aterrorizar:

“Quando a cabocla Umbelina apareceu grávida, o pai moeu-a de surras, afirmando que daria o neto aos porcos para que o comessem.
“O caso não era novo, nem a espantou, e que ele havia de cumprir a promessa, sabia-o bem. Ela mesma, lembrava-se, encontrara uma vez um braço de criança entre as flores do aboboral. Aquilo, com certeza, tinha sido obra do pai.”

Gilka Machado

Outra carioca, Gilka Machado, abalou a sociedade de 1915, com apenas 22 anos, quando lançou “Cristais partidos”, livro de poesia. Muitos não acreditavam que a autora era uma mulher – imaginavam que quem escrevera era o marido. Isso porque os versos falavam de amor e sexo com uma liberdade impossível para uma mulher.

Foi ofendida por todos os lados: desabusada, despudorada, perversa, imoral. Mario de Andrade, inclusive, foi um dos mais ferrenhos críticos. Apesar de tudo isso, Gilka foi um fenômeno literário das décadas iniciais do século 20 – uma escritora que o Brasil deveria conhecer mais e melhor. Alguns dos versos que fizeram ruborizar as faces dos “homens de bem”:

Gilka Machado. Crédito da foto: reprodução.

“Deixa-me espreguiçar o corpo esguio
Sobre o teu corpo que é, como um frouxel, macio.
Eis-me, lânguida e nua
Para volúpia tua.
Faze a tua carícia,
Como um óleo, passar pela minha epiderme;
Essa tua carícia, umectante e emoliente,
Que no corpo me põe coleios de serpente
E indolências de verme.”

Dia de resistência

Essas três grandes mulheres representam muitas que sofreram e sofrem preconceito e machismo em seus trabalhos. O dia 8 de março é um dia de resistência – um dia para comemorar que estamos vivas e na luta. Leia mulheres!

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