Será que a mulher pode mesmo consumir e ser quem ela quiser?

Viver com autonomia depende, primeiramente, dos direitos básicos atendidos

“Menos 4kg em 30 dias”, “100 melhores produtos de beleza”, “Sexy no biquini”, “O que os meninos gostam em uma garota”, “As 50 principais tendências para o outono”, estas foram e continuam sendo chamadas de conteúdos voltados ao público feminino. Longe de responderem aos anseios e necessidades das mulheres, essas publicações continuam reforçando estereótipos e um padrão que precisa ser atendido. Saltando para o universo profissional, vemos ser evocado ainda o arquétipo da mulher maravilha, dizendo que somos fortes e multipotenciais por conseguir “dar conta de tudo”.   

Afinal, a quem interessa a permanência desse discurso? O levantamento da Oxfam “Tempo de Cuidar” mostrou um ritmo de crescimento desenfreado na desigualdade econômica e social sustentada pela exploração do trabalho de mulheres e meninas. Essas mulheres apoiam diretamente a economia de mercado, oferecendo uma mão de obra mais barata e gratuita e, além disso, prestando cuidados que deveriam ser oferecidos pelo setor público. Esse movimento representa um valor monetário global de US$ 10,8 trilhões por ano à economia de um trabalho que não é remunerado.

No Brasil, ainda segundo a Oxfam, há diferença salarial entre mulheres e homens com carteira assinada e as contratadas de maneira informal. Em média, uma mulher no emprego doméstico ganha 78,44% do rendimento de homens que exercem as mesmas funções.

A mídia, a indústria (principalmente, beleza e moda), a publicidade, estão ajudando a construir uma narrativa da mulher empoderada, só fica de lado esse detalhe que ela não é remunerada. Pelo título desse artigo você deve estar se perguntando, onde queremos chegar, certo? Simples: na sociedade capital, e principalmente no Brasil, muitos lares são chefiados por mulheres, mulheres que empreendem. Elas sustentam suas casas, porém não necessariamente estão fazendo isso por prazer ou porque querem. Além do mais, seguem ganhando menos, ainda que façam o mesmo que os homens, o que considerando a perspectiva do cuidado, sempre será mais.

Será que vamos precisar esperar 257 anos?

Duzentos e cinquenta e sete anos, essa é a estimativa do Fórum Econômico Mundial para nós, mulheres, superarmos a desigualdade em relação à questão salarial.

Seria a equidade de gênero uma utopia? A sociedade de modo geral recicla suas ideias e tempos depois está vendendo como inovação ou disrupção, para usar um termo mais atual. O empoderamento feminino, a mulher poder ser quem ela quiser, e o questionamento do lugar da mulher estão ganhando espaço. Porém, se não olharmos com uma visão crítica ocupando esses lugares para promover o diálogo do que realmente precisa mudar, recaímos no modismo e daqui há 30 anos, ainda vai estar presente a narrativa de que poder escolher entre usar saia ou calça, e a cor da estampa representam a emancipação feminina. 

Cada vez que levantamos a voz para dialogar sobre igualdade de gênero parece, pelo menos para nós, mulheres, que estamos falando o óbvio. Não é mentira, e parece que sempre estamos culpando, problematizando e referenciando a intocável tríade do sistema: patriarcado, capitalismo e status quo. Porém, na contrapartida da exaustão, pedimos um minuto de atenção para entender que precisamos de todos e todas para mudar essa história e que mesmo no cansaço é necessário seguir caminhando, ouvindo e dialogando.

Para cruzarmos a ponte rumo ao futuro equitativo e sustentável precisamos compreender que é necessário repensar as bases dessa construção. Somente a partir de uma reflexão profunda e honesta será possível mudar o cenário que nitidamente está favorecendo apenas uma parcela da população, no caso o 1% mais rico. Lembrando que construir um futuro sustentável é pensar localmente se estamos atendendo as demandas para depois ver a mudança refletir globalmente.

No ponto em que estamos, diariamente estão sendo escancaradas muitas das mazelas que aprofundam as desigualdades em decorrência de um sistema opressor e violento em que vivemos. Como de repente temos tantos violência contra as mulheres? Como a mulher ganha menos? Como não estão no cargo de liderança?

Além de reparar os dados que de fato são alarmantes, é preciso compreender que esse espaço não era concedido às pautas de e sobre mulheres. Lembra das chamadas do início deste texto? Pois é, antes achavam que isso era importante. Portanto, chegou a hora de não apenas noticiar, mas, sim, agir. É tempo de cair na real que as histórias de amor inspiradas pelos contos de fadas, na realidade, nunca foram o lugar de protagonismo ocupado pelas mulheres.

Ainda que no palco alternativo, a abertura para trazer luz para esse debate tem acontecido. É questão de necessidade, além do mês de março ou do dia 8 de março, dialogar sobre como as mulheres estão sendo representadas, seus interesses ouvidos e como seu futuro está sendo pensado.

Começando com “4R”

A igualdade de gênero permanecerá sendo utopia se seguimos em projetos lentos e vamos nos distanciarmos mesmo se o prazo for de 257 anos. A boa notícia é que não é preciso esperar, temos à disposição inúmeros recursos para aplicar já. Na promoção de uma economia do cuidado, por exemplo, temos o marco transformador dos “4R”:

  1. Reconhecer o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago, que é realizado principalmente por mulheres e meninas, como um tipo de trabalho ou produção com valor real.
  2. Reduzir o número total de horas dedicadas a tarefas de cuidado não remuneradas ampliando o acesso a equipamentos acessíveis, de qualidade e que economizem tempo e a infraestruturas de apoio à prestação de cuidados.
  3. Redistribuir o trabalho de cuidado não remunerado de maneira mais justa dentro da família e, ao mesmo tempo, transferir a responsabilidade desse tipo de trabalho para o Estado e para o setor privado.
  4. Representar cuidadoras mais marginalizadas, garantindo que participem ativamente do desenho e da implementação de políticas, serviços e sistemas que afetam suas vidas.

Para ser o que quiser é preciso acesso à educação, saúde, respeito ao corpo e liberdade de expressão. Sem este acesso para todas, isso não será possível, nem mesmo em mais de 200 anos. O convite aqui é para agirmos hoje para poder responder “SIM” à pergunta “Tem futuro?“.

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