Putin 2036

Enquanto o mundo lida com coronavírus, o presidente russo consolida seu desejo

Como analisado em minha coluna de 13 de fevereiro, “Putin, o eterno”, a Câmara Baixa do Parlamento russo (Duma) aprovou na semana passada de forma definitiva o projeto de lei que permite ao presidente Vladimir Putin concorrer a um novo mandato nas eleições de 2024.

A mudança na constituição que aprova sua permanência no Kremlin, faz parte de uma grande reforma constitucional anunciada em janeiro pelo presidente russo. Nesse momento, Putin possui apenas 27% de aprovação dos eleitores, entretanto a votação que aprovou a mudança na constituição foi aceita por 283 deputados, tendo 44 abstenções e nenhum voto contra. Se eles são os representantes do povo russo, não será difícil imaginar o que acontecerá nas eleições de 2024. O apoio massivo de um lado e a recusa de registrar opinião sobre a pauta apresentada de outro, aponta a influência da política interna de Putin entre os parlamentares. É de conhecimento de todos o que ele é capaz de fazer para o bem e para mal.

O “interessante” é o termo usado pelo presidente para ilustrar sua manobra: não é “reeleição” e sim “zerar” o tempo de comando, começar com nova metas um novo período. Putin em seu discurso na Duma disse que “uma presidência forte é absolutamente necessária para a Rússia. A atual situação econômica e de segurança social nos faz lembrar do passado mais uma vez”.

O presidente literalmente acredita que somente ele pode recuperar a economia e proteger o país contra seus inimigos. A oposição com o seu slogan “Rússia sem Putin” nada pode fazer contra a onipotência do sistema de poder russo.

A economia russa está em declínio. Com a queda no preço do petróleo, com o rublo em seu nível mais baixo desde 2014, e junto com as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos desde que decidiu anexar a Criméia há seis anos, faz da Rússia um país em processo contínuo de isolamento em relação ao Ocidente.

Atualmente, um em cada sete russos é pobre: quase 21 milhões de habitantes vivem abaixo da linha da pobreza, e segundo instituto de estatística do governo, o Rosstat, os índices negativos não param de crescer.

Putin necessita minimizar esse problema para poder permanecer até 2036 sem maiores contratempos. Indo além da sua biografia como homem público; já muito analisada; uma questão mais profunda necessita ser colocada à luz da reflexão: a patologia do Poder que alguns líderes políticos possuem.

Narcisos e perversos, esses governantes reduzem seus desafetos ao estado de seres sem importância alguma no sistema político do país, limitando-os de todas as possibilidades de manter sua identidade pública viva. Com isso o Estado passa a ser a representação do “pai malvado” que castiga o filho desobediente, imputando limites intransponíveis. A despeito de um grande contingente de pessoas que aceitam de bom grado serem guiadas e protegidas por um “pai protetor”.

De acordo com Hannah Arendt, “…o Poder implica, necessariamente, a existência de duas ou mais pessoas, ou seja, o Poder é sempre relacional. ”

Um povo pode acessar e se identificar com a fantasia de poder do seu governante como sendo a sua. O poder de uma única pessoa serve então como expressão e demonstração da verdade da fantasia que é vivida e compartilhada por todos.

Putin externaliza a lei do seu desejo, acreditando em sua natureza excepcional; despreza qualquer tipo de opinião pública contraria a ele. O seu prazer será o prazer do povo russo.

Foucault analisa que o Poder é a ação sobre as ações, que na vida em sociedade o indivíduo também age promovendo ações de Poder em outros indivíduos e vice e versa. O Poder produz realidade, tanto construção quanto destruição, rituais transformados em verdades para o homem e a sociedade. Essa longevidade, juntamente com o poder absoluto, constitui uma força sem precedentes em um mundo em mudança.

Putin conheceu quatro presidentes americanos, três líderes chineses, quatro presidentes franceses, tendo desenvolvido um talento para se aproveitar de oportunidades estratégicas quando elas aparecerem, como na Síria, onde a Rússia foi o único país a intervir no conflito. Além disso, negocia com a Turquia de Erdogan, outro “homem forte”, brincando com todos os nervos do Ocidente, imprimindo a imagem de que a Rússia é um “novo medo”,  mas, simultaneamente continua sendo um modesto ator econômico.

O que podemos esperar de Putin nos próximos anos? Sabemos o que não podemos esperar, ou seja, a liberalização do sistema ideológico. Quando a oposição quis se manifestar contra essa reforma, o governo usou o pretexto do coronavírus para proibir reuniões por tempo indeterminado.

Introduzir a frase “Fé em Deus” na constituição e não legalizar casamento entre pessoas do mesmo sexo, consolida sua visão conservadora da história.

Não podemos esquecer que no ano passado, em entrevista para o Financial Times disse que “o liberalismo político era uma ideia obsoleta”. Ao assumir um mandato sem prazo de validade, poderá perder, a autoridade composta de respeito e medo, que lhe permitiu sua longevidade, tornando-se um Brejnev pós-soviético fossilizado.

Até a próxima semana!

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