O homem que isolava as mulheres

Edward Hopper prenunciou nos anos 1940 o vazio contemporâneo

O feminino é o elemento pictórico mais utilizado desde os primeiros registros figurativos feitos pelo homem. Transformada em desejo obsessivo pelos pintores em seus tempos, a mulher é dominante na história da pintura.

Sob o mando religioso, monárquico e estético, a pintura até o fim da arte moderna reproduzia esse marcador. Confrontando o sublime ao profano; as virgens às libertinas; as rainhas às messalinas; as amantes às filhas de família, todas tiveram sua importância pelas mãos de pintores tanto brilhantes, quanto medíocres. Pinta-se porque se viu e, portanto, o olho subtrai da realidade produzindo a subjetividade em cada estilo. Seja a elevação do estatuto da mulher, seja deitar sobre a tela o desejo impertinente.

2#Morning Sun, tela de Edward Hopper, de 1952.

O amor dos homens por esse signo, fez da reprodução feminina um marcador histórico. Mesmo com todas as limitações sociais e sexuais em cada século, a mulher é o grande símbolo de poder dentro da história da arte. Ela é o imaginário masculino, talvez o desejo de sê-la.

O mais famoso pintor americano do século 20, Edward Hopper (1882-1967), registrou o feminino em sua época. Suas mulheres pictóricas não têm credo, nobreza ou sex-appeal. São medíocres em suas vidas sem graça, homogêneas, sempre pensativas de olhar perdido. Uma dissociação da realidade as acomete. O feminino retratado pelo pintor é um desalento, um contraditório da sedução que caracterizava o feminino até então na pintura. Hopper cria a sua realidade sobre o seu feminino, em situações sem vida, sem pulsão aparente.

Hopper não teve interesse pela arte moderna, chegando a ser apático aos vários movimentos que revolucionaram a pintura no fim do século 19 e início do 20 (ao contrário do que afirmam algumas matérias jornalísticas). Viajou pouco, viveu toda a vida com a mesma mulher, um homem recluso…. Não era de se admirar que o feminino pintado por ele possuísse uma sensação de distanciamento do observador para com o quadro, e do elemento mulher na mensagem da pintura, nesse caso, multiplicada.

4 Hotel Room 1931.

Ele preferiu não se aproximar da sedução estética do corpo da mulher, vivendo sua lubricidade nas telas que produziu. Não as possui, nem poderia, é o pintor da solidão (afirmação comum e já integrada no historicismo da arte) que nos convida ao observar suas telas, drenar um possível desejo.

O afeto pelo feminino foi reduzido por Hopper, que não trabalhou sua própria capacidade libidinal com suas mulheres no ato da pintura, preferindo anulá-las no contexto de seu apelo como figura sexual predominante no desenho, cinema e pintura no século 20.

Em sua contemplativa quietude morna, as mulheres observam um possível horizonte para aquele dia. Igualmente possuidora de desejos suspensos; talvez uma outra espera para além do cômodo ou espaço que ocupa.

Tela Room in New York – 1940

O casal da tela Room in New York – 1940 apresenta uma realidade universal, sem dúvida: uma noite qualquer, tédio, silêncio, atmosfera paralisada… Hopper observa o mediano de fora da casa, dando-lhe uma importância maior, inexistente na realidade. Para saborear seu voyeurismo sem sex-appeal, introduz cores quentes ligadas aos sabores e desejos humanos. Suas mulheres não são felizes. São solitárias, introspectivas e presas num senso comum, o estatuto de ser mulher de alguém.

Hopper não é o pintor do amor. Nada pulsa em seu trabalho, tudo é cerebral.

A constar que Hopper foi um marido que não valorizou (como seria justo fazê-lo) o talento de sua esposa, Josephine Nevison, já uma pintora de caráter realista reconhecida em certos círculos de galerias de arte em Nova York, enquanto ele ainda era um calouro. Uma longa história de abusos e boicotes, competição contra a esposa marcaram o início do casamento. Ela foi sua modelo em todas suas telas.

Josephine Nevison Hopper.

Josephine Nevison (Hopper) teve seus quadros expostos junto com Picasso, Georgia O’Keefe, Modigliani, Man Ray em galerias prestigiosas de Nova York até conhecer Hopper, ajudá-lo e gerenciá-lo por toda vida. Uma escolha que a fez sair da cena artística. Seu marido não queria um segundo artista em casa. Sem “Jo” e sua entrega para a arte de Hopper, ele não teria alcançado o patamar de excelência que obtivera ao longo de sua vida.

Esse pensamento casto percorre toda a obra “feminina” de Hopper. Talvez fosse um homem mais “respeitoso” do que outros pintores de sua geração ou, para negar o impressionismo, o expressionismo, e cubismo, olhou para o outro lado… nada de subversão.

“Provalvemente é um reflexo meu, se assim posso dizer, de solidão. Eu não sei. Pode ser toda a condição humana.”

Edward Hopper.
3# Woman in_The Sun

Seu realismo é uma interpretação pessoal. Silêncio, espaço abrandado por uma atmosfera estendida. Introduz a noção de solitude: possibilidade de se viver consigo e para si a despeito de seu entorno.

A vida moderna (ou contemporânea) imprime dois extremos: o excesso de exibição particular, compromissos sociais e profissionais é o primeiro, e radical. O segundo é o isolamento, o “se bastar” com família ou sem, chegando ao se encasular no espaço de se ser apenas um. Hopper é o isolado em uma época expansionista, criativa e conflitante, representou o indivíduo que está à mercê de tudo isso. De sua reclusão nasceram as mais referenciadas obras da cultura Americana.


Até a semana que vem!

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