Mães e filhos

A data comemorativa abre espaço para doces carinhos e amargos pesadelos

Existem mães amorosas e perversas. Como toda dicotomia, elas se complementam no ambiente social que nos é dado. Nessa teia constituída, da transgeracionalidade, mundo psíquico, caráter, espaço e tempo em que o indivíduo cresce e se desenvolve. Como qualquer teia, ele está preso pelos afetos inicias, jamais imaginando que exista forças tão ou mais poderosas que o amor.

O nascimento de um filho (a) pode significar a afirmação da união de um casal, bem como a ressignificação de uma relação ruim do casal, já sem sentido, em que uma criança é o propósito para a manutenção da união.  Entretanto existe a possibilidade da existência de uma criança ser fruto do mais puro conceito do que chamamos de amor, por partes dos pais para com seu rebento, sempre haverá o ponto (bem) fora da curva.

O amor que uma mãe constrói por sua criança, em qualquer circunstância, é uma manifestação de posse, que tanto poderá protegê-la, como feri-la. A proteção é a beleza do conceito de amor: o colo, o peito, o abraço, o cheiro da pele; a mão que acaricia dos cabelos, sensações inesquecíveis. Todavia a incompreensão advinda de uma distorcida noção de bem querer, produz mulheres que ao serem mães, despertam (afirmam) o seu narcisismo, usam o mecanismo da perversão para manipular os sentimos dos seus, e possuem uma destrutiva inveja para com seus filhos (as).

Se a criança não é tratada no amor, mas sim no medo, ela não aprende a se amar. Ela aprende a se defender, escreveu Françoise Dolto.

Percebemos desde sempre que a mãe suficientemente boa (David Winnicott) protege e assegura o mínimo de base afetiva para seus filhos (as). Libera-os para a vida, os apoiando e até mesmo criando, como costuma se repetir, sozinha, assegurando financeiramente o início de suas vidas. Os seus possíveis erros são frutos de insegurança, ignorância, impotência, repetições familiares e medo que seus filhos vivenciem dificuldades. Já a mãe má dificulta a independência da filha (o), desvaloriza suas conquistas e até mesmo sua beleza física e pelas filigranas da vida. Nunca está satisfeita com seu controle matriarcal. Quando há um menino e uma menina, a megera disfarçada escolhe geralmente o menino como seu protegido, deixando a filha relegada ao limbo de seu afeto.

Falar da mãe suficientemente boa não tem graça, é senso comum, dado o fato social desta expectativa. A “vilã”, por sua vez, é sempre mais interessante em qualquer trama.

Ela sendo ausente, transforma-se em uma busca para filho (a) pelo seu afeto. Já sua onipresença poderá ser o gatilho para dolorosas rupturas. Na escala maior da vida, ninguém ganha ou perde. Escritores, cineastas e artistas plásticos se debruçam há tempos com o material de trabalho “mãe”, enquanto matriz, doadora de vida e, portanto, morte. A mãe desperta todos os registros de afetos.

Lacan afirmou que “uma mãe pode ser uma devastação para uma filha. A devastação apresenta-se articulada ao amor e à sua (im)possibilidade”.

Celebrar o dia das mães é afirmar essa dicotomia. A celebração do bem e do mal. A vida é considerada bela pelo prisma cientifico e religioso (mais uma dicotomia), mas é muito confusa e dolorosa pela ótica da família e psique.  Com suas contradições e idiossincrasias, a força da vida é mais forte do que a reverência a alguém ou alguma coisa.

A psicanálise e a psicologia se debruçaram durante o século 20 sobre os efeitos da figura da mãe com seus filhos, tendo conclusões definidoras, baseadas em milhares de atendimentos em consultórios pelo mundo. Deixo claro nesse texto, que estou objetivando o caráter do indivíduo “mãe”, sem entrar nos detalhes das patologias que elas apresentam, deixando-os para vocês à procura de mais informações sobre essa figura mítica.

A teia da mãe má tece o destino dos filhos nos primeiros 10, 15, 20 anos de vida. Afetivamente destruídos, desenvolvem com o passar do tempo, a culpa por ter sido o catalizador de tais agressões. Notadamente é uma toxina materna, uma violência seguida de manipulação perversa, dirigida ao coração da criança.

Fazendo parte da tradição comemorativa, nos dias que antecedem o Dia das Mães, palavras confortadoras e metafóricas relacionam a maternidade como sendo a origem da vida, a “portadora da luz” que assegurará a existência de sua cria por longos anos. Essa visão da “mãe” não cauciona a raiz daquilo que seu filho (a) é na base. O aceite incondicional de quem ele (a) é como ser e indivíduo é o verdadeiro amor.

O impacto de expressões como essas (e tantas outras) para seus descendentes é sentido por toda vida. Como uma dívida impagável, estamos sempre a dever para quem nos “deu a vida”. As emoções se misturam, sem esclarecimentos mais profundos. A escolha é quase sempre represar a dúvida do que é certo ou errado no inconsciente. Quem em sã consciência desejaria ver as coisas como elas realmente são?

De acordo com a analista junguiana Sylvia Brinton Perera “a rejeição é experimentada pelo indivíduo como uma punição pela sua existência. Sentimos de culpa, ansiedade e um núcleo sempre presente de ansiedade existencial – pela ausência de conexão com o todo maior – constituem o fardo indivíduo”.

Diante desse contexto relacional com a mãe, o silêncio é tanto uma arma (com o não dito), quanto uma defesa contra as agressões veladas ou explícitas da genetriz.

Envolvido pelo afeto primordial, incluindo sua dependência, o filho (a) não toma consciência dos abusos, mesmo porque os convites que lhe foram dirigidos são tão precoces, que sua imaturidade não permite escolhas de convites abstratos de pertencer à essa rede de poder, dada sutileza inclusive do teor dos mesmos, que a mãe promove. Um jogo de poder patológico, com um propósito… alimentar-se inconscientemente da energia de suas crias para assim ter o controle fictício de sua própria vida. Comportamento abusivo muito tênue.

“À medida que os filhos crescem, a mãe deve diminuir de tamanho. Mas a tendência da gente é continuar a ser enorme”, escreveu Clarice Lispector.

Quem nasceu de uma mãe suficiente boa agradeça aos céus. O contrário é um real infortúnio. Vá correndo a um profissional da área e encare uma “fuga” psicológica, ou até mesmo física para superar essa situação.

Dicas

Mãe-Filhas: Uma Relação a Três – Caroline Eliacheff

Corpos Que Gritam: A Psicanálise Como Bebês – Caroline Eliacheff


Até a semana que vem!

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