Dizem que a cor branca está no início e no fim da vida, mais do que todas as outras cores. Quando nascemos a luminosidade se faz e ao morrermos a luz vem nos acalentar. O branco está efetivamente associado à luz: o divino, o oculto, o reconforto, a vida após a morte.
O início do mundo bíblico tem a cor branca como seu abre alas: faça-se a luz! E o branco surge como representação do Deus ocidental. Para a razão, foi na escuridão do universo que a vida, como a conhecemos, surgiu: uma grande explosão de uma só vez criou todos as cores.
Atualmente o branco está em voga, mais uma vez representando a luz e também seu apagamento. Ele pertence às máscaras, luvas e aventais dos profissionais de saúde; bem como nos lençóis dos necrotérios pelo globo. É a cor da preocupação dos dias atuais.
Muito ligada à vida e religião, a cor branca está nas vestes de Cristo, na sua carne (a hóstia), no batismo. É a cor do bem, da pomba, do coelho e do cordeiro branco cristão. Sem esquecer dos anjos com suas asas e vestimentas. É possível dizer que o branco é a cor da fragilidade, sua conotação simbólica da vulnerabilidade que nesse momento é de angústia e perda.
O cordeiro branco sacrificado expia os humanos pecados. Logo após, a pomba branca é solta simbolizando a paz (ou sua fuga…) entre os povos. Quem não participar da cerimônia será o bode expiatório… preto.
Os profissionais da saúde no mundo todo estão nessa posição de sacrifício. Escolheram esse caminho e o fazem com prontidão. A ciência novamente se apresenta como o único saber que pode nos manter vivos e confiantes no futuro.
Antes da vida, as cores já estavam no universo. Elas como pura energia atômica carregam o princípio do todo, sabedorias que não conseguimos alcançar. Como tudo que criamos e destruímos, a crença no significado de uma cor nos traz alegrias constantes e revezes dolorosos. Talvez essa seja a harmonia que todos necessitariam entender: mesmo na beleza mais intangível, a perfeição é feita de vida e morte.
Uma importante estudiosa da cor, Eva Heller disse “ vacas pretas também produzem leite branco, ou de um ovo branco pode saltar um pintinho preto. O branco contra o preto. A batalha do bem contra o mal em muitas variantes. O dia contra a noite”. É bem possível que o branco lute contra o preto por não aceitar que seu nascimento vem da escuridão total. A cor branca deve reverência à escuridão.
A cor da limpeza, da higiene… dos hospitais. No branco, qualquer mancha o macula. A vergonha é sentida diante dos seus, num instante de demasiada humanidade.
Uma cama forrada de branco é onde as doenças se deitam e todo corpo perece. Nessa hora, o medo é entender que o que sobra de nós são apenas dentes e o branco da ossatura.
O branco é a cor privada de cor e para muitos simboliza o vazio. “É nesse sentido que o branco é a cor do luto. Nunca radiante, nunca em tecidos brilhantes”, disse Heller. Assim como o uso do preto, o luto em branco sugere a renúncia da própria imagem por parte de quem usa.
“Eu te asseguro, não chore não, viu. Que eu voltarei, viu, meu coração”, Luiz Gonzaga em “Asa Branca”.
Em tempos incertos, a saudade deve ser branca também. No branco a imaginação se mistura com a nostalgia; o coração se reconforta ou se recontorce. Seja nas noites brancas e solitárias de Dostoievski ou na flácida igualdade branca de Kieslowski, a cor da esperança também causa dor. Que linda contradição. “O sol consola os doentes e não os renova”, diria Carlos Drummond de Andrade.
A ansiedade consome os escritores diante de uma página em branco. Sua capacidade intelectual de anos é testada pela presença de uma só cor. A força da cor é superior a qualquer talento humano.
O branco é a cor da ressurreição, da remissão dos pecados. Se essa máxima prevalecer, o vírus ficará por muito tempo entre nós.
Até a semana que vem!
Sobre o/a autor/a
Silvio Eduardo Crisóstomo
Silvio Eduardo Crisóstomo é fotógrafo, artista visual, cineasta, coach para fotografia, arte visual e vídeo e life coach para jovens e adultos. Seus filmes foram exibidos na França, Espanha, Inglaterra, Índia e Brasil. Tem trabalhos fotográficos publicados em livros e revistas na Itália, França, Polônia e Inglaterra. Foi curador no Museu da Fotografia de Curitiba. Trabalhos fotográficos expostos em galerias no Brasil e Alemanha.