Decido levar uma vida mais saudável e vou à nutricionista que minha colega de trabalho indicou. Sem cigarro há mais de quatro anos, fazendo academia, só falta me alimentar direito. Ela pede uns exames – o resultado, já esperado, mostra que a vitamina D está baixa. Não do tipo um pouco abaixo, mas do tipo à beira da morte por insuficiência de vitamina D.
Começo a tomar um comprimido por dia. As curvas da minha saúde começam a apresentar melhora – mas o mundo é inundado pelo pandemônio.
A caixa de comprimidos carrega o suficiente para pouco mais de três meses. Ao tomar o primeiro, acho que é uma quantidade absurda e que até o fim da caixa tudo estará de volta ao normal.
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Na TV, a imprensa repercute um estudo feito em Turim, na Itália, que mostrou correlação entre a falta de vitamina D e a infecção pelo vírus. Não se falou nada sobre a presença da vitamina entre os não infectados. Em um mundo tomado pela aflição, nem adiantaria falar.
Não há espaço para rigor científico quando o cenário é de desespero.
Os comerciais de vitamina D inundam a TV e a internet. Salve-se do corona com a nossa marca de vitamina!
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Tomo o último comprimido. Encomendo mais uma caixa, para mais três meses. Agora que o frio está chegando devo tomar ainda menos sol. Pensando nisso, puxo a cadeira e vou me sentar, na hora do almoço, na frente de casa, para pegar pelo menos um pouco de vitamina pelas vias naturais.
A nutricionista mandou expor o máximo possível do corpo ao sol, respeitando os limites impostos pelo recato. Um vizinho olha pela janela acreditando que o condomínio está sendo invadido pelo extraterrestre do filme Cocoon. Ignoro.
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Na semana passada, comentei aqui sobre uma pequena altercação ocorrida entre dois vizinhos. Um homem e uma mulher, creio que por uma antiga rixa por conta do uso dos espaços públicos do condomínio.
O homem está ali fora, em frente à sua própria casa, talvez também tomando sol. Ele me vê e se aproveita da minha vulnerabilidade para se aproximar. No meio do caminho já pergunta:
– Você que escreve no Plural?
Era só o que me faltava, um personagem leitor. Invoco a quinta emenda ao fingir que não ouvi sua pergunta, torcendo para que ele tenha a delicadeza de fingir que nada disso aconteceu, sigamos a vida, moço, agora não posso, estou tomando meu banho de sol.
Ele não é uma pessoa discreta, mas eu já deveria saber disso desde semana passada. Faço uma careta para demonstrar que não entendi o que ele disse.
– Aquele jornal, o Plural.
– Jornal?
– É você que escreve lá?
– Não sei do que você está falando.
– Sério mesmo? Não é você?
– Juro! Nem sei que jornal é esse. Como é o nome mesmo?
– Plural. Cara, tem um cara que escreve lá que contou uma história igualzinha a conversa que tivemos. Não lembro o nome agora.
– Que conversa?
– Lembra da folgada do vinte e quatro que eu comentei com você?
– Vagamente…
– Saiu num jornal aí uma história igualzinha.
– Nossa, que estranho, mas prazer viu, vou entrar agora.
– Como é o seu nome?
– Rogério.
Pra ajudar, invento o nome do editor do jornal. Era só o que me faltava.
Vizinho: você vai achar que sou eu. Mas não sou eu. Ou melhor, não é o seu vizinho: deixe que ele tome banho de sol em paz. Ele precisa de vitamina D por recomendação médica.