Dia 13 – Está chovendo em Macondo

No começo eu achei essa história de Terra plana engraçada. Devia ter levado mais a sério

Já faz alguns anos que vi por aí os primeiros sinais de que a “teoria” da Terra Plana estava ganhando seus primeiros adeptos no Brasil. Até então eu achava que era coisa de gringo rico e com tempo de sobra e que nunca chegaria aqui. No princípio, achei até engraçado, um punhado de gente que não conseguiu entender direito o que foi dito no ensino fundamental agora estava aí, criando canais no YouTube pra falar besteira.

Eu devia ter levado mais a sério. Não que eu, individualmente, fosse fazer uma grande diferença, mas será que, se todos tivessem se esforçado para combater a anti-ciência, as coisas estariam diferentes no país?

O efeito dessa anticiência é violento. Premissas verdadeiras (“nem todo cientista é ético”, “a indústria farmacêutica tem interesses financeiros”, “questionar o sistema de ensino é importante”) foram usadas como base para assentar no senso comum afirmações absurdas: todo cientista é antiético, todo o ensino escolar é mentiroso, todo laboratório existe com o propósito de nos levar para o caminho do Mal, vacinas são nocivas. (O remédio, óbvio: as igrejas evangélicas, onde mora o Verdadeiro Conhecimento, porque baseado na Bíblia).

Nessa semana um pai perdeu o filho para a Covid-19. Um pai que zombava da estratégia de isolamento social perdeu seu filho para a Covid-19. Torço sinceramente para que ele encontre paz – ele não foi o culpado, ele não infectou o filho. Independentemente das crenças do pai, nas mesmas condições, o filho morreria.

Esse é o impressionante poder da realidade: ela não depende da crença de ninguém para ser realidade. E é perigosíssimo quando um país inteiro tem em seu representante máximo essa sanha anti-ciência. Essa necessidade de acreditar em vez de saber. O mundo imaginário em que Bolsonaro vive (onde milícias são benéficas, hidroxicloroquina é uma poção mágica e Trump é seu melhor amigo) infelizmente dita as regras no mundo real.

Assim como a Terra Plana, a doença (não era de gringo rico?) também chegou aqui. O estrago já começou, mas ainda pode ser contido. O triste é saber que isso depende do que os unicórnios vão soprar esta noite na cabeça de Carlos Bolsonaro ou de qual financiador de campanha vai exigir sua recompensa.

No mundo ideal nenhum outro pai perderia outro filho, nem um filho perderia o pai. Mas no mundo ideal a verdade seria tratada como prioridade, o bom senso seria política pública e o governo não precisaria tentar convencer as pessoas de que vidas e economia estão em lados opostos.

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