WandaVision apresenta conteúdo musical coerente e inovador

Fazendo um passeio sonoro por diferentes décadas, a série chega a final épico e estabelece novas narrativas dentro do MCU

Destaque no catálogo do Disney+ por inaugurar a chamada Fase 4 do MCU (sigla em inglês que identifica o Universo Cinematográfico da Marvel), o último episódio de WandaVision trouxe uma forte carga emocional e se mostrou maduro em vários aspectos. Ao longo das últimas nove semanas houve diversas críticas relacionadas à atração, cujos episódios foram disponibilizados a conta gotas, toda sexta-feira, deixando fãs e teóricos da conspiração com os nervos alterados.

Decidi falar dessa série somente agora, depois de concluída, porque entendo que a apreciação de obras audiovisuais dependem da temporalidade. Este é um dos parâmetros que aproximam a música e o cinema, porque são artes temporais, ou seja, que requerem atenção do início ao fim para que a fruição seja completa. Portanto, falar de uma série que está em andamento tem pouco ou nenhum efeito para fins de uma crítica profissional e fundamentada.

Música ligada ao roteiro

Seria incoerente analisar de forma dissociada a música e a proposta temática desta série, porque incorreríamos no erro de negar a forma com a qual o roteiro foi desenvolvido. De início, WandaVision seguiu o formato das “sitcoms” que dominaram a televisão dos EUA por décadas e, de certa forma, ditaram padrões enquanto criticavam os gostos e o estilo de vida característicos do sonho americano. Os dois primeiros episódios foram filmados em preto e branco e ancorados nos anos 1950 e 60, saltando depois para as décadas de 80 e 90, até chegar à contemporaneidade, decisão estilística que despertou amor e ódio entre uma parcela do público. Houve quem achou sensacional, percebendo que tudo seria encaminhado para uma explicação lógica; houve quem não entendeu nada.

Ocorre que a música seguiu pelo mesmo caminho, o que me pareceu sensato do ponto de vista composicional. Se o episódio tinha cara de anos 50 e 60, tocava uma jazzband ou alguma coisa ligada ao rock; caso a ambientação estivesse nos anos 80, uma bateria com o reverb carregado na caixa tomava conta, junto com um sintetizador eletrônico. Fui percebendo essas decisões musicais ao longo das semanas, o que me ajudou a apreciar aquilo que ouvi na última sexta-feira, quando o episódio final foi disponibilizado no streaming.

Aberturas personalizadas

Cada episódio teve um tema musical diferente para suas aberturas, condizente com a década e as decisões estilísticas que seriam exploradas. Os autores destas canções foram Robert Lopez e Kristen Anderson-Lopez, casal que traz no currículo obras como “Let it Go”, da animação Frozen (2014). Os arranjos para essas aberturas foram escritos por Christophe Beck, que também assina a trilha musical da série.

Sutilmente, existe um motivo musical que aparece nestas canções de abertura e que se repete, independentemente do estilo musical, algo que demonstra o apuro técnico tanto dos autores das canções quanto do arranjador. É um motivo simples, formado por apenas quatro notas, porém carregado de um ar misterioso devido a uma aproximação cromática que leva à nota final.

As quatro notas que formam o motivo musical do tema de WandaVision e que se repetem nas aberturas, adequadas às diferentes tonalidades das canções. Transcrição: Daniel Derevecki.

Caso você não esteja acostumado à leitura musical, permita-me uma breve explicação sobre essa aproximação cromática. Ela aparece na partitura, conforme a imagem, destacada por um sinal chamado de sustenido, semelhante a uma “hashtag”. É justamente por conta deste pequeno sinal que se tem a atmosfera de magia presente no motivo.

Uma trilha digna dos Vingadores

Já falei por aqui sobre as qualidades da trilha musical escrita por Alan Silvestri para a saga dos Vingadores. Coisas como o leitmotiv (que é um motivo musical que precede personagens e ideias, inserindo-os à narrativa ainda que não apareçam em cena) foram exploradas por ele com perfeição. No caso de WandaVision, essa roupagem ainda não havia aparecido em sua plenitude. Christophe Beck vinha utilizando o material sonoro já descrito, ligado ao formato das “sitcoms”, contudo, neste episódio decisivo, surge uma trilha épica que não deixa dúvidas: estamos no mesmo fio condutor narrativo que os Vingadores, por meio de uma produção que compartilha de suas virtudes.

Algumas evidências disso surgiram neste episódio final. Uma delas foi a rápida citação ao tema musical dos heróis, no mesmo centro tonal, que soa em um momento chave para o desenvolvimento desta trama construída em WandaVision. A cena em questão também evoca o filme original pelo ponto de vista imagético, porque a fotografia faz alusão ao famoso giro em 360 graus, que apresenta o elenco do primeiro filme da saga, de 2012, justamente quando o tema musical foi ouvido pela primeira vez.

Comparação entre as fotografias realizadas em Vingadores (2012) e WandaVision (2021). As cenas têm o tema musical como um dos elementos em comum. Crédito das fotos: divulgação.

Todas essas referências vêm para unir um ícone da cultura pop da última década aos dias atuais, quando o streaming começa a tomar o espaço das grandes salas, tanto em público quanto na escala das produções. Sobre as decisões composicionais de Beck, considero que todas foram bem sucedidas, porque partem de um material sonoro original que está distante deste universo cinematográfico. Ele utiliza elementos melódicos, harmônicos e de formação instrumental referentes às décadas que servem de pano de fundo à narrativa, para então conduzir a audição a uma contemporaneidade que sequer é nossa, porque pertence a um universo ficcional estabelecido na década passada. Fecho o meu raciocínio por aqui, porque esta série, com toda a sua ousadia no roteiro e na música, vem para inaugurar uma nova década. Se na anterior a Marvel dominou os cinemas, é de se esperar que na atual domine também o streaming.


Para ir além

Abertura do primeiro episódio de WandaVision:

Playlist oficial de WandaVision no Spotify:

Tema épico para WandaVision, executado nos créditos de cada episódio:

The Mandalorian e as muitas camadas de um tema musical

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