Ousado e bem escrito, o novo filme estrelado por Andrew Garfield procura mergulhar na vida e na mente inquieta do compositor Jonatan Larson, ícone dos musicais da Broadway dos anos 1990. Ambientado no início de sua meteórica carreira, o longa questiona o conceito de obra de arte e sua relação com o mercado de bens simbólicos que encontra impulso na indústria cultural dos Estados Unidos.
Confesso que os primeiros 40 minutos causaram-me certa fadiga, apesar das ótimas músicas, devido ao excesso da linguagem de videoclipes ao estilo MTV. No entanto, decidi dar uma chance ao filme e segui adiante, o que me fez valorizar cada minuto dessa obra monumental. Discussões pautadas no final dos anos 1980, como a desinformação sobre a AIDS, os impactos do modelo imperialista estadunidense, entre outras, são tratadas de forma lateral, até porque a classificação indicativa é de 12 anos, contudo, o processo de criação e a entrega de um compositor às suas canções, que brotam da interpretação marcante de Garfield, compensam qualquer deslocamento da narrativa.
Canções
Que as composições de Larson são ótimas, já se sabe. O que ainda era uma incógnita seria a capacidade de Garfield em dar vida àquelas obras. Este é sempre um ponto que me atrai e, por vezes, revolta-me nos filmes que tratam da performance musical. Não fosse por um dedilhado que surgiu equivocado na mão direita do violonista numa das músicas, diria que o filme é perfeito neste aspecto, fazendo frente ao impecável Bohemian Rhapsody (2018) e suplantando Rocketman (2019).
Destacam-se, em meio a tantas canções, Sunday, cujo arranjo vocal é arrebatador e remete à ideia de um coro sacro mesclado a uma estética pop, e Why, que pode ser considerada a melhor música do filme por pelo menos três motivos: a harmonia, permeada por acordes de empréstimo modal, que corresponde a um aspecto técnico importante dentro do campo da teoria musical e que ajuda, em certos contextos, a dar um ar de sofisticação à obra; o momento na qual é inserida, por conferir densidade à trama e maturidade à personagem central; e pela interpretação de Garfield, que nos convida a entrar no universo do compositor e compartilhar de sua experiência. Sem mais, assistam.
Para ir além
Sobre o/a autor/a
Daniel Derevecki
Doutorando em História, mestre em Música, bacharel em Música Popular e licenciado em Artes Visuais. Autor do livro “Chico Buarque no Jornal do Brasil: um artista em construção”.