Rocketman x Bohemian Rhapsody: qual acertou na performance musical?

Daniel Derevecki compara os filmes que retratam ícones do rock, como Elton John e Freddy Mercury

Pelo segundo ano consecutivo temos a vida de algum astro da música sendo retratada no cinema. No ano passado foi a história da banda Queen e seu vocalista, Freddy Mercury; agora é a vez de Elton John, em Rocketman. Quem será o próximo? Mick Jagger ou David Bowie? George Michael ou Prince? A lista é grande e a playlist maior ainda.

É comum que filmes sobre grandes lendas do Rock and Roll rendam polêmicas e dividam os fãs quanto à veracidade dos fatos retratados, entre outras coisas. Pode ser que isso tenha a ver com a relação de pertencimento que o fã nutre com o artista, ou coisa do tipo. Confesso que não me preocupo muito com esse aspecto. Entendo que uma certa liberdade criativa, em alguns casos, pode até ser necessária para que o roteiro siga com fluidez. O que realmente me causa incômodo é o trato que se dá às questões “musicais”. Daí realmente torço o nariz para algumas coisas.

Neste quesito é difícil não comparar Rocketman com Bohemian Rhapsody. O filme do Queen foi impecável ao recriar processos de gravação dos anos 1970. Também a atuação dos atores que interpretaram os músicos da banda foi muito realista, indo além dos maneirismos de Freddy, vivido por Rami Malek. Quando se via uma cena de palco ou estúdio, tinha-se a impressão de que aqueles caras estavam mesmo tocando e cantando.

A expectativa era a de que Rocketman fizesse o mesmo por Elton John, que é um artista tão sensacional como cantor quanto o é como pianista. Mas para surpresa o filme tem uma cara de musical da Disney, quase uma espécie de Aladdin para maiores de 18 anos. Isso não tem nada a ver com a música, mas sim com a forma de abordá-la. As canções são exibidas ao longo do filme como se fossem videoclipes inseridos à trama, sendo cantadas pelos personagens, coisa que se vê em filmes musicais desde o início do século passado. O visual, às vezes, é crível, outras vezes é surreal.

A história toda é narrada por Elton (Taron Egerton), que está numa clínica de reabilitação para dependentes químicos. Conforme ele revela detalhes de sua vida a um grupo de ajuda, as situações começam a ser exibidas. As experiências vividas exemplificam o que dizem as letras das músicas e, acredito, a escolha pelo visual surreal, somada à ideia narrativa dos clipes, teve a intenção de mostrar os efeitos alucinógenos e alienadores das drogas e do álcool.

Em alguns casos funcionou muito bem, como na recriação do primeiro show em Los Angeles. Quando Elton dá o seu famoso pulo para trás com as mãos ainda no teclado do piano, a imagem ganha um slow motion e todos, músicos e público, parecem estar numa estação espacial com gravidade zero. Até aí tudo bem, um pouco de surrealismo dá para aguentar. Mas na música que dá nome ao filme, “Rocketman”, um clássico, ver Elton John decolando do palco como um homem foguete parece forçado. Lembra um pouco as decolagens do Homem de Ferro. E piora, depois de decolar ele colide com um avião no céu e vira uma cascata de fogos de artifício. Nesta hora a cena é cortada para o interior do avião, onde Elton está viajando com sua equipe, visivelmente drogado. Mais uma vez foi o efeito alucinógeno, fica claro. O problema é que isso se repete ao longo do filme. Cansa.

Problemas de performance

Essa proposta dos videoclipes levanta um questionamento ainda mais pontual, que vai além do simples veredito entre “gostei” ou “não gostei”. Ocorre que, em alguns dos clipes, a interpretação dos atores ao cantar parecia não bater com o áudio gravado. Exemplifico:

Um cantor entra no estúdio de gravação e solta a voz no microfone. Nos processos de edição essa voz é ajustada, com efeitos, equalização, afinação digital, entre outros acertos. Na hora de gravar o videoclipe dessa música, o áudio que valerá não será o do som direto da cena, mas sim o que foi previamente gravado e editado no estúdio.

No cinema, a maior parte dos áudios dos diálogos é dublada. O ator fala durante a cena e o som direto é captado como referência, para que mais tarde o mesmo ator faça uma dublagem daquilo que falou, obtendo-se assim um som “perfeito” para a mixagem final.

Quando se trata de música o processo é invertido, primeiro grava-se a música no estúdio e depois é feita a “dublagem” durante a filmagem. É exatamente aí que as coisas podem sair do controle. Acontece que se o cantor/ator não interpretar a música na filmagem com entonação, respiração, movimentos corporais, articulações e tudo o mais próximo possível do que fez na gravação, a sensação de realismo vai para o espaço como um rocketman. Cantores profissionais, que alavancam milhões de dólares, também cometem esses erros. Há clipes sofríveis. Mas também há os memoráveis, como o de Elvis Costello cantando a música She, na versão do filme Um Lugar Chamado Notting Hill (1999). Isso é tão delicado que até uma simples levantada de sobrancelha pode modificar a emissão do som, derrubando uma bela interpretação.

Aqui reside a minha comparação entre Bohemian e Rocketman. O primeiro foi mais feliz.

 

Para ir além

Trilha sonora de Rocketman

https://open.spotify.com/album/16iIPsnAjGZea8TeOCzeN8?si=0nDt13a9QxKt98YQMY-Awg

Elvis Costello, “She”

https://www.youtube.com/watch?v=O040xuq2FR0

 

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