O Leitmotiv na saga dos Vingadores

Sabe aquela música que quando toca faz com que você se lembre de algum personagem? Não se trata de uma coincidência, mas sim de uma estratégia que vem das óperas de Wagner e que foi incorporada ao cinema e leva o nome de Leitmotiv, ou motivo condutor. A ideia é fazer com que o tema musical, sempre que tocado, conduza a atenção do público a um certo personagem ou grupo.

Esse recurso é utilizado com frequência em filmes como os Vingadores. Alan Silvestri – autor do tema musical dos super-heróis da Marvel, conforme já falamos aqui no Plural – não fugiu à regra. No primeiro filme da franquia, em 2012, ouviu-se o tema pela primeira vez. Foi durante a batalha de Nova York, quando o sexteto formado por Homem de Ferro, Capitão América, Thor, Hulk, Viúva Negra e Gavião Arqueiro se reuniu no centro de Manhattan, com a câmera dando aquele famoso giro em 360 graus ao redor do time.

Naquele momento o tema musical serviu para estabelecer o surgimento “oficial” do grupo de super-heróis. Cada um já estava na batalha lutando à própria maneira, mas somente a partir daquele instante foram definidos como integrantes de um grupo. A partir de então, em todos os outros filmes, cada vez que a intenção fosse destacar a atuação conjunta dos heróis o tema seria tocado. Leitmotiv raiz.

Spoilers

A partir daqui haverá alguns spoilers de Vingadores: Ultimato, portanto se você ainda não assistiu considere-se devidamente avisado.

A cena que mencionei acima aparece de volta, mas desta vez sem o tema musical. Ocorre que a solução para o estalar de dedos de Thanos, que dizimou metade da população do universo, tem a ver com viagens no tempo. O plano é voltar aos momentos em que as tais “joias do infinito” foram encontradas e tomar posse delas antes do vilão.

Isso fica explícito ainda na primeira meia hora do longa. A história começa com algo novo para a Marvel, uma espécie de cena “pré-créditos”. Antes da tradicional abertura com os quadrinhos, o Gavião Arqueiro aparece em um momento familiar. Enquanto ele ensina sua filha mais velha a atirar com o arco e flecha, a esposa prepara um lanche com os meninos. Ele se vira para falar com a esposa e quando volta o olhar para a filha vê apenas aquela poeira. Depois olha de volta para o restante da família e ninguém mais estava lá. Pronto, a coisa agora tinha virado pessoal.

Depois da abertura o enfoque vai para Tony Stark, perdido no espaço há 22 dias após enfrentar Thanos e perder. Debilitado e prestes a morrer por falta de oxigênio, ele se encontra na companhia de Nebulosa e os dois são resgatados pela Capitã Marvel, que “reboca” sua nave de volta à Terra. Numa missão de vingança, Capitã Marvel, Capitão América, Viúva Negra, Máquina de Combate, Bruce Benner, Thor, Rocket e Nebulosa partem para o planeta onde Thanos está escondido, aparentemente vivendo de uma agricultura de subsistência. Lá, Thor não quer saber de conversa e decepa a cabeça do vilão. Acabou, ao menos é o que parece.

Scarlett Johansson faz o papel de Viúva Negra.

Passado esse momento dramático, o filme dá um salto de cinco anos no tempo. A retomada da história vem com o Homem Formiga, que consegue voltar do Reino Quântico onde estava preso. O que para o mundo durara cinco anos, para ele foram apenas cinco horas. É a partir desse gancho que a ideia de viajar no tempo pelo Reino Quântico e resgatar as joias do infinito começa a tomar forma.

Trilha

Alguns momentos precisam ser destacados. Um deles ocorre na década de 1970, quando Capitão América e Tony viajam no tempo para recuperar o Tesseract, escondido numa base militar. A trilha sonora é coisa de espião, uma mistura de James Bond com Os Incríveis. Tem aquele ar de suspense juvenil, que areja a história e ajuda a introduzir o encontro entre Tony e seu pai, Howard.

O filme tem ainda uma seleção de canções muito boa. Também já falei disso aqui no Plural, porque uma boa playlist ajuda a contar a história. Neste caso, a lista circunscreve sucessos como “Come and Get Your Love”, da banda Redbone, single que vendeu mais de um milhão de cópias e colocou o grupo no top 5 da badalada lista da Billboard, em 1974. O palco musical tem ainda The Rolling Stones, Traffic, The Kinks e Steppenwolf. Mas o destaque maior fica por conta de “It’s Been a Long, Long Time”, um tema de jazz de 1945 cuja letra fala de alguém que recebe de volta um grande amor após a guerra. A música, que tem no solo de trompete de Harry James e na voz delicada de Kitty Kalen seus principais atrativos, carrega aquele ar charmoso das icônicas jazzbands da era de ouro do gênero. Essa música já havia sido tocada em Capitão América: o Soldado Invernal e foi usada novamente para fechar o arco do honrado Capitão neste novo filme.

“Come And Get Your Love”, sucesso da banda Redbone, integra a trilha sonora do filme.

Tema dos Vingadores

Vamos voltar a falar do tema principal, que aparece em dois momentos. O primeiro deles foi na batalha final, quando todos os desaparecidos são trazidos de volta para um combate épico contra o exército de vilões; a segunda inserção ocorre nos créditos finais. Como esse filme não tem a tradicional “cena pós-créditos”, por ser a conclusão da saga, a Marvel decidiu fazer uma homenagem ao elenco.

Um a um os personagens aparecem em imagens estáticas. A sequência é bonita e começa pelos heróis, digamos, secundários, como o Soldado Invernal e o Pantera Negra. Até ali tem-se uma trilha sonora interessante, de vitória, mas sem um motivo que estivesse totalmente estabelecido. Quando a sequência chega ao clímax, que é a homenagem aos seis protagonistas do filme original, o tema musical dos Vingadores começa a tocar e surge na tela a imagem do Gavião Arqueiro, com o nome do ator e uma assinatura em forma de autógrafo. Ele é sucedido pela Viúva Negra (in memoriam), Hulk, Thor, Capitão América e Tony Stark (in memoriam). Emociona e dá sentido a tudo o que se viu ao longo das 3 horas de projeção.

Você leu os dois in memoriam logo acima? Então, é isso mesmo: o Homem de Ferro morre no final e, antes dele, a Viúva Negra também se sacrifica para que uma das joias seja encontrada. As duas cenas de morte têm seus temas musicais específicos. A da Viúva Negra é catártica e traz um aspecto soturno em alguns momentos, justamente porque sua personalidade é exposta ao público de uma maneira ainda não vista. Neste filme ela foi muito mais humanizada, participando de poucas cenas de ação, inclusive. O destaque para ela esteve no luto vivido desde que as pessoas morreram e eles, os Vingadores, não puderam evitar. Por ser alguém originalmente “sem família”, o grupo de heróis ocupava esse papel. Perder alguns deles de forma tão trágica parece ter sido demais para ela. Sacrificar-se para resgatá-los é visto pela antiga espiã como a coisa certa a se fazer.

Com relação a Tony Stark a situação tem contrastes. É lógico que ele passava por um processo de luto, principalmente pela morte de Peter Parker, por quem nutria um carinho de pai. Contudo, pode-se dizer que o Homem de Ferro teve uma “boa morte”. Estava vivendo em uma tranquila casa no campo e casado com Pepper Potts, com quem tivera uma filha. O sacrifício para liquidar Thanos firmou de vez o conceito de que não era a armadura a responsável por fazer dele alguém poderoso, algo que já havia sido tratado em Homem de Ferro 3 (2013).

Thanos

As últimas homenagens ao herói acontecem exatamente na casa de campo onde vivia. O filme apresenta ali um momento emocionante e puramente simples, com todos os amigos observando um esquife indo embora pelo rio, cena que lembra a do funeral do Rei Arthur em Lancelot – O Primeiro Cavaleiro (1995). A trilha sonora é belíssima, com uma condução de cordas que encanta aos ouvidos e traz aquela certeza do dever cumprido. É triste, como se espera, mas ao mesmo tempo é confortante. Uma obra para ficar na memória ad infinitum.

Para ir além

Trilha sonora de Vingadores – Ultimato

https://open.spotify.com/album/6r4Vfnoifx2CLiTKCaKji8?si=LoqEN6zxTR6_oqGEVTUchA

It’s Been a Long, Long Time

https://www.youtube.com/watch?time_continue=118&v=cG1L9wxYbs0

 

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https://www.plural.jor.br/os-vingadores-e-game-of-thrones-duas-sagas-musicais/

https://www.plural.jor.br/de-pernas-pro-ar-3-novo-filme-tem-boa-musica-mas-poderia-ser-melhor-no-debate-de-questoes-atuais/

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