O futuro do Brasil está sofrendo abuso

Todos os dias, pelo menos 243 casos de tortura ou agressão física e psicológica são notificados no Brasil

Aquela frase feita, “que a felicidade vire rotina”, está dando lugar a uma constatação amarga e apavorante: a rotina de terror protagonizada por crianças e adolescentes. Aqueles que, tradicionalmente, usamos em outra frase comum: o futuro do país.

Este futuro está sendo torturado e agredido dentro de casa. A cada hora, 10 crianças são agredidas no Brasil.

O futuro do país é um presente cheio de dor, medo e falta de esperança. São reféns dos próprios pais e estão chorando pelos cantos, colecionando hematomas e feridas.

Os que sobrevivem se tornam os filhos do trauma. E aí está a ponta de um enorme iceberg de consequências pessoais e sociais.

Estas crianças não conseguem nem sequer entender que o que estão sofrendo nas mãos de quem deveria dar proteção e amor, é crime. Normalizam o próprio absurdo.

Nas últimas semanas, as capas dos sites dos principais meios de comunicação estamparam a realidade de um Brasil intragável. Estes criminosos parecem se multiplicar, enquanto estamos paralisados e impotentes diante da quantidade de casos cada vez mais constantes e chocantes.

Celebramos uma Rayssa que conquistou, aos 13 anos, uma medalha olímpica. Mas essa não é a Rayssa da rotina do Brasil, essa é uma Rayssa incomum.

O Brasil inteiro debatia a dificuldade enfrentada para ela alcançar o sonho olímpico tão nova. Porém, pouco debatemos sobre os abusos que milhares de meninas sofrem tão novas. Ainda que debater seja primário.

Depois, levamos o choque com a história de uma outra Raissa. Uma menina indígena que sofria abuso sexual desde os seis anos pelo próprio tio. Vítima de um estupro coletivo, quando ameaçou denunciar, foi assasinada aos 11 anos. Essa é a Raissa da rotina do Brasil.

É a realidade visceral que temos dificuldade de encarar, de processar. E, talvez por isso, o combate é tão lento, enquanto a prática dos crimes é absurdamente avassaladora.

Um levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria, com o apoio da agência 360°CI e o SINAN do Ministério da Saúde, constatou que, a cada hora, 10 crianças são agredidas no país.

Todos os dias, pelo menos 243 casos de tortura ou agressão física e psicológica são notificados no Brasil.

Em 2020, o país registrou 14 mil denúncias de abuso sexual infantil. Esta estatística é do Disque 100, mas o número tende a ser bem maior.

É a assombrosa realidade da infância brasileira: a violência caminhando dentro de casa, levando para passear, dando banho e colocando para dormir.

Pensando nessas feridas abertas e em como tenho o dever de contribuir como parlamentar, que propus na Câmara de Vereadores de Curitiba um canal de denúncia de violência infantil, exclusivo para médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde.

Através de um Sistema de Comunicação, estes profissionais da Rede Pública de Saúde poderão informar de forma imediata e diretamente à Polícia Civil e ao Ministério Público sobre suspeitas de violência contra crianças e adolescentes.

O objetivo é ajudar na prevenção da violência infantil e no bloqueio desses crimes. A continuidade é um ponto crucial. Na grande maioria dos casos, as vítimas relatam o longo tempo que vêm amargurando e suportando os abusos.

Precisamos nos empenhar em um movimento diferente desta cultura que vivemos. Hoje a denúncia está relacionada ao medo, a um comprometimento perigoso com o criminoso. É necessário lutar por uma nova postura de denúncia destemida.

Enquanto isso, o medo continua sendo da infância.

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