Cicatrizes da escravidão em Curitiba

Mazelas do racismo permanecem na capital mais preta do sul do país, resultado de uma abolição inacabada

Muitas e muitos podem até achar que não, mas em Curitiba também teve escravidão. A primeira imagem que faz registro da cidade é uma pintura do artista francês Debret, de 1827, em que ele mostra um homem negro escravizado construindo o que hoje são as ruínas da Igreja de São Francisco, em um dos pontos mais altos da cidade. Consequência de um estado que abrigou, através do porto de Paranaguá, um dos principais centros de contrabando do país, recebendo negros escravizados e os conduzindo para diversas cidades.

Na capital paranaense é necessário que mantenhamos a memória viva, não invisibilizando diversos pontos que remetem a esse período, como o Pelourinho, local onde a população negra era açoitada em espaço público e a Casa de Câmara e Cadeia que mantinha diversos negros escravizados presos acusados de fugirem de seus senhores, onde atualmente encontra-se o Mercado das Flores e o Paço da Liberdade.

Na Rua XV de Novembro, próximo à Praça Osório, no centro da cidade, existia um jornal local chamado Dezenove de Dezembro que divulgava a fuga de escravizados e ainda anunciava pedidos de compra dessas pessoas. Em um trecho de uma publicação havia escrito: “Precisa-se comprar uma negrinha ou moleque de oito a dez annos; quem tiver dirija-se a esta typografia que indicará a pessoa que pretende”.

Diversos são os locais que marcam as cicatrizes de um período sombrio para a construção da nossa sociedade e mesmo após a dita abolição da escravidão em 1888, as mazelas do racismo permanecem. Uma cidade que comprovadamente tem uma enorme contribuição da população negra, ainda, marginaliza e joga para as áreas periféricas essas pessoas.

Vemos muitas negras e negros nas ocupações urbanas, em situação de rua e em condições precárias de vida, resultado de uma abolição inacabada e é inacabada porque encerra um período de escravidão e inicia um período de falta de políticas públicas, do direito à infraestrutura e equipamentos urbanos, do direito à terra e ainda a falta do direito à vida, e uma vida digna.

Curitiba tem que avançar muito ainda enquanto sociedade para superar o racismo estrutural. Uma prova disso é que somente após 327 anos eu fui a primeira mulher negra eleita vereadora desta cidade. Neste pouco tempo de mandato, vencemos algumas lutas que modificam as estruturas, mas encontramos desafios cada vez maiores e maior é a nossa vontade de continuar reescrevendo essa história!

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